Wednesday, September 22, 2004

Regresso às Aulas Por LUÍS SALGADO DE MATOS

Público
Segunda-feira, 20 de Setembro de 2004

O regresso às aulas é este ano assinalado pela singular e persistente incompetência da nossa burocracia educativa. Deveremos mudar de alto a baixo as escolas portuguesas e reconhecer "aos pais o direito de optar livremente entre qualquer delas"?

A frase entre aspas é do Fórum para a Liberdade de Educação, uma associação patrocinada por homens de prestígio como são os professores Mário Pinto, Fernando Adão da Fonseca e João Carlos Espada. A frase defende o chamado "voucher": quando os pais não gostarem de uma escola pública, transferem os filhos para uma privada e o Estado dá-lhes um "voucher", uma guia, pagando a nova escolha.

Hoje, temos o direito de optar por uma escola privada mas pagamos duas vezes: pagamos os impostos com os quais o Estado financia o ensino e pagamos a escola privada. A guia restabeleceria a liberdade efectiva.

A ideia parece aliciante. Ninguém contesta que cabe aos pais o direito sobre a educação dos filhos pequenos.

A ideia, porém, só é aliciante na aparência. É desaconselhada por três motivos. O primeiro é a sua impossibilidade prática. As escolas infantis, básicas e secundárias são monopólios locais. Os alunos têm que lá ir, não podem fazer os cursos pela Net. Os custos e o tempo de transporte são por isso determinantes. Nas grandes cidades haverá alguma margem de escolha, ainda assim limitada, pois o trânsito de veículos "diesel" é cada vez mais lento nas horas de ponta. Fora dos grandes centros urbanos, haverá só uma escola ao alcance de cada aluno - e por isso os pais não poderão escolher.

A segunda razão é fiscal. Todos aceitamos que os nossos impostos financiem a escola pública pois o ensino nela fornecido é um bem público ainda que de consumo pessoal. Mas o leitor aceitará que o produto dos seus impostos seja entregue ao vizinho do lado para ele pôr o filho no Liceu Francês? Sentir-se-á defraudado, pois o Ministério das Finanças passaria a ser o cobrador coercivo do seu vizinho, para fins educativos. A guia conduziria ao fim da intervenção pública na educação pré-universitária.

A terceira razão é social. Um sistema em que o Estado financia a escola à vontade do freguês favorece os estabelecimentos de ensino dos extremistas - religiosos, políticos, ideológicos. A escola actual dá integração social, a guia aceleraria a fragmentação.

A guia escolar teria pois indesejáveis efeitos perversos. É certo que a escola actual é centralista e privilegia os professores. Temos que a aperfeiçoar, aumentando a fiscalização das famílias e dos cidadãos, no respeito da autonomia escolar. Pondo sempre os alunos à frente. Porque o sistema tende a esquecê-los. Quer um exemplo? Ainda há dias, o PÚBLICO on-line resumia uma recente publicação da OCDE sobre ensino subordinando-a ao tema dos salários dos professores e sem nunca referir o que os alunos aprendem - ou como.

Investigador de ciências políticas

1 comment:

Anonymous said...

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