Friday, April 01, 2005

As dores da direita (3) José Manuel Fernandes

As dores da direita (3) José Manuel Fernandes
Público 1 de Abril de 2005

Os partidos da direita ainda serão o lugar menos adequado ou preparado para qualquer "refundação"

Quando Ronald Reagan iniciou a corrida presidencial que o levaria à Casa Branca, os temas que escolheu fizeram sorrir os estrategas de Jimmy Carter: com aquelas ideias, tão radicalmente novas, Reagan não iria longe. Viu-se.
Sensivelmente na mesma altura, quando Margaret Thatcher chegou ao poder no Reino Unido, todos lhe previram vida curta: a sua agenda política era inaplicável num país onde os sindicatos tinham o poder que tinham. Também se viu o que depois aconteceu.
O que distinguiu Reagan e Thatcher, no seu tempo, foram as suas ideias de ruptura com o statu quo e terem-nas aplicado. Sem receio de, ao mesmo tempo, travarem um feroz combate ideológico. O que tem distinguido as diferentes direitas portuguesas é a sua incapacidade de fazerem o mesmo, isto é, de começarem a discutir ideias que vão contra a corrente. De divergirem. De perceberem que o centro não se ganha estando ao "centro", mas apresentando projectos mobilizadores. Em contrapartida, por tentação eleitoral, real equívoco ou pulsão profunda, preferem o populismo nalgumas das suas diferentes encarnações: vemo-los então a falarem de imigração, ou de segurança, ou com um discurso soberanista e antieuropeu. É mais fácil: estas são áreas onde as propostas e o pensamento da direita tradicional estão em maior sintonia com o sentimento médio do eleitorado. Não é necessário arriscar dizer o inconveniente, em contraciclo.
No entanto, como sublinhou Rui Ramos numa entrevista do PÚBLICO, "a democracia diz respeito a haver consenso sobre os meios" não sobre os fins, o que quer dizer que "não tem de haver dramatismo por haver confronto de opiniões". Não vai haver nenhuma guerra civil por causa disso - vai haver é incomodidade. E incompreensão.
Desse ponto de vista, a direita terá alguma coisa a aprender com a esquerda, que tem mais facilidade em assumir a ideologia e há muito que se dedica a cíclicos exercícios de "repensar" os seus fundamentos. E aprender com os que, na área dos partidos que vão do centro à direita, dentro ou fora deles, alguns até vindos da esquerda, nunca abdicaram de pensar.
Este processo nem seria totalmente original: os famosos neoconservadores começaram por ser, como Irving Kristol, homens de esquerda, mesmo da esquerda radical, que se afirmaram transformados pelo confronto das suas utopias com a realidade pura e dura da vida. Depois, e no caso concreto de Kristol, o próprio escreveu que o movimento intelectual que fundou nos anos 70 teve "o papel histórico e o desígnio político" de "converter o Partido Republicano, o conservadorismo americano em geral, contra a sua própria vontade, num novo tipo de conservadorismo político adaptado à governação de uma democracia moderna".
Se considerarmos que o termo conservadorismo é o equivalente anglo-saxónico de direita, poderíamos estabelecer um paralelo que levaria ainda a outra reflexão a ter à direita: a integração do pluralismo de pontos de vista, isto é, a de que a partilha de um mesmo corpo de ideias não representa estar de acordo sobre tudo.
Ora olhando para o que é hoje o espaço da direita, ou das direitas, encontramos muito dificilmente este espírito de abertura e risco nos dois principais partidos - mas já encontramos, em contrapartida, uma presença crescente de gente mais nova, com formação política, menos complexos, outras referências e vontade de intervir, designadamente na blogosfera.
Mesmo assim, as dores da direita, sobretudo da que vive mal longe do poder, não passarão enquanto não se entender como se casa essa actividade intelectual com os velhos partidos e uma sociedade (e um eleitorado) nada preparada para tais choques.