Friday, October 17, 2008

COISAS DA SÁBADO: RETRATOS DE UM SONHO ORWELLIANO


COISAS DA SÁBADO: RETRATOS DE UM SONHO ORWELLIANO

A crença tecnocrática no gadget explica muita coisa, mas mostra ignorância sobre o modo como as tecnologias mudam as sociedades. Este anúncio da Portugal Telecom é um bom exemplo do pesadelo orwelliano que habita as mentes do nosso Primeiro-ministro e dos que com ele estão a conduzir esta operação. Veja-se aquela escola, aqueles meninos, aquele “mundo” que parece saído de um laboratório biológico de nível 5, em que se manipulam vírus perigosos, ou, pior, de uma prisão de alta segurança. Tudo branco, meninos e escola, só a cor azul, uma cor fria, do “Magalhães” se destaca. Vejam-se mais os materiais da escola da ficção cientifica: fórmica, vidro, aço, alumínio, plástico. Vejam-se aqueles meninos asseados e sem classe social, sem identidade, a que só falta colarem um número, um código-barra, meterem-lhes um chip como aos cães, aqueles meninos sem individualidade. Veja-se o mundo perfeito na sua ordem burocrática, tecnocrática e policial, os computadores no meio das mesas, nem mais à direita, nem mais à esquerda, todos com a tampa aberta no mesmo ângulo. O que é que estará naquele ecrã? Não deve ser nada de interessante visto que nem as crianças que não levantam o braço, olham para lá. E veja-se o que não está lá: o professor em primeiro lugar, que se encontra escondido no ponto de fuga da imagem, para onde aquelas crianças de casting na sua impecável limpeza e brancura nem sequer parecem olhar. Depois não há em cima de uma única mesa nem um papel, nem um lápis, nem um livro, há o “Magalhães”.

Espero bem que nunca haja uma escola do ensino básico assim. Este mundo asséptico é a completa negação do que deve ser o ensino básico, para crianças para quem a cor, a luz, o som, o movimento, são o elemento básico de uma vida que tem que entrar com elas dentro da escola. Neste mundo PT - Sócrates, o elemento essencial do sucesso pedagógico aparece como sendo o computador, quando é o professor, é a capacidade empática do professor a chave de tudo e é essa realidade, mais difícil de dominar e melhorar, que não se alimenta da crença na instantaneidade do saber pelo acesso aos gadgets.

Aquelas crianças têm que aprender a ler em livros e não no ecrã do computador, por razões que qualquer pessoa que saiba da matéria explicará: não se lê da mesma maneira nos dois sítios. Aquelas crianças têm que aprender a escrever com lápis e papel e não no ecrã do computador ou no SMS do telemóvel, por razões que qualquer pessoa que saiba da matéria explicará: não se escreve da mesma maneira nos dois sítios. Pode-se sempre dizer e bem que é em livros e também no ecrã, é em papel e é no processador de texto. Muito bem, só que a ordem porque aprendem e o modo como interligam as diferentes literacias não é irrelevante. Bem pelo contrário, a não ser que se queira fazer um atestado de óbito à leitura literária por exemplo, ou diminuir ainda mais do que já está a riqueza vocabular da língua, com a concomitante perda de capacidade de comunicação, que se queira eliminar a possibilidade de se saberem fazer contas sem máquinas, por aí adiante.

Aquela escola da PT – Sócrates do reclame é para robots, não é para humanos.

Thursday, October 16, 2008

SEJAM LIVRES, PORRA!

SEJAM LIVRES, PORRA!
29 09 2008

Quando escrevi o artigo de opinião, que se encontra no final deste texto, acerca da Acção de Formação sobre o «Magalhães» que teve lugar nos dias 25 e 26 de Setembro, estava a léguas de imaginar a celeuma jornalística que iria causar. Que o meu blogue já é visitado por milhares de pessoas, isso eu sabia, mas nunca que este artigo fosse causar tanto apetite à comunicação social, como se de algo transcendental se tratasse. Se calhar nem notícia chega a ser, mas enfim…

Depois de, nas últimas horas ser autenticamente entupido de chamadas e solicitações de rádios, televisões e jornais e de a todos dizer que nada de noticioso me parece haver na crónica, a não ser uma simples opinião contra os conteúdos e metodologia de uma Acção de Formação, eis que quase todos os jornalistas questionam o comportamento dos meus colegas na dita sessão; contudo, tive o cuidado de deixar claro que nada tenho a opinar sobre isso e que cada um se deve responsabilizar pelos seus actos. Apenas achei ridículas aquelas actividades, devido à sua completa descontextualização relativamente ao que eu esperava da Acção. Frisei, até, que as senhoras americanas foram muito impressionadas com a capacidade criativa dos professores; agora, tudo isto numa «sessão de trabalho com a Intel»? Essa não!

Mas o que me choca no meio de tudo isto, e é por isso que escrevo este texto, é que todos os jornalistas com quem falei tentaram obter opiniões de muitos outros intervenientes na Acção e todos se recusaram a dar a cara ou uma simples opinião. Ora, parece-me, ou aliás, tenho a certeza, que as pessoas vivem hoje amedrontadas e parece que a Comunicação Social é algum papão para lhes desgraçar a vida.

Eu gostava que todas as pessoas se sentissem livres, num Estado livre e não se coibissem de dar uma simples opinião que seja. Cidadãos interventivos e activos é que constroem uma sociedade democrática e participada.

Entristece-me assistir a milhares e milhares de professores que vão gritando para dentro, chamando nomes feios a Governo e governantes, mas depois perante uma câmara ou um microfone, parece que algo os amedronta, como se dizer que discorda da Ministra, faça com que esta, no dia seguinte, os exonere!

A todos esses quero dizer que o Governo agradece tal atitude e enquanto ela se mantiver, farão de vós o que quiserem. Não adianta juntarem-se aos milhares na rua e depois manterem-se escondidos atrás de um anonimato cobarde.

Sejam livres, porra! Dêem, pelo menos, a vossa opinião civilizadamente! Um sociedade de cidadãos amedrontados de, sequer, opinar, não é uma democracia. No dia que eu sentir que não sou livre de dizer o que penso, embalo a trouxa e, qual Zeca Afonso, zarpo daqui para fora!

Paulo Carvalho

(de)FORMAÇÃO «MAGALHÃES»

Sou coordenador TIC do meu Agrupamento de Escolas e fui convocado para me deslocar ao parque tecnológico de Cantanhede para receber formação sobre o tão propalado portátil Magalhães. Lá fui eu para dois dias de trabalho, cujo programa era, em 90%, composto pela expressão « jornada de trabalho com a Intel»:

Hoje estou aqui para relatar aquilo que se passou naqueles dois dias, e se o estou a fazer, é porque algo de relevante se passou.

Pelas reacções que tinha lido nos fóruns relativamente às mesmas sessões de Porto e Lisboa, já ia a contar que aquilo não seria o que eu esperava; mas longe de mim imaginar que iria assistir a uma coisa absolutamente surreal.

Primeira nota triste do evento: a organização distribuiu «pen drives» de um Gb, oferta da Intel contendo toda a documentação. Acontece que tinham umas 100 unidades para dar a 200 pessoas. Claro que metade (incluindo eu) ficámos a ver navios, havendo dignos colegas que se açambarcaram de mais que uma, facto que também não me causa qualquer espanto, até pelo facto de ninguém imaginar que não haveria «pen drives» para todos. Mas para a Organização tratou-se de mais uma normalidade!

Comecemos pela manhã de Quinta-feira, onde fomos levados, em grupos, para pequenas salas do complexo, onde supostamente nos iriam ser dadas directrizes relativamente ao Magalhães e às suas potencialidades em contexto educativo, para nós transmitirmos aos professores do 1º ciclo. Aliás, esse deveria ter sido o grande objectivo deste encontro; recebermos formação para a replicar junto das escolas envolvidas.

Ao invés disso, e para ser muito mais sucinto do que gostaria nesta crónica, somos brindados com apresentações de powerpoints em português, lidas em Inglês com sotaque russo, traduzido por senhoras contratadas para o efeito, como se nunca tivéssemos ouvido uma palavra em Inglês na vida e como se isso fosse o entrave à formação. Num parque dito tecnológico, as redes funcionavam mal ou não funcionavam, ninguém sabia ligar, o senhor russo ia ironizando como se estivesse num país de 3º mundo e a senhora tradutora ia tentando fazer a uma espécie de ponte entre surdos mudos. A seguir, mais um estrangeiro qualquer a debitar informação em inglês sobre um powerpoint em português e depois apareceu um brasileiro (ena!!! Um brasileiro!!!) mas que nada de útil nos transmitiu.

Ou seja, depois de uma manhã onde absolutamente ninguém aprendeu nada de útil sobre os Magalhães que qualquer jeitoso de informática não domine, ninguém imaginava que o pior estava para vir.

Eis que pelas 14 horas iria começar uma das melhores sessões de circo a que os meus olhos assistiram até hoje. O speaker de serviço que ostentava na lapela uma identificação de uma empresa que não conheço, mas que nem era do ME nem da Intel nem da JP Sá Couto, apresentou as três senhoras que tinham vindo expressamente dos States, com chancela da Intel, para nos brindarem com uma sessão de trabalho inolvidável. Eis que aparecem 3 senhoras com ar de quem está reformado há 20 anos, nos EUA, mas que em Portugal estariam no auge da carreira. Depois das simpatias ao país e de demonstrar que nada de útil iriam transmitir, resolveram propor aquilo que as trouxe ao, pensam elas, Burkina Fasso da Europa. Desde logo me demarquei e senti vontade de abandonar a sessão, mas os colegas… ah e tal… esquece isso… e tal…. Não te enerves… isto é sempre assim… e tal! Continuei a assistir e a incredulidade ia aumentando.

Aquelas 3 senhoras, acham que uma sessão de trabalho com a Intel é propor a 200 professores que inventem uma cantiga ao Magalhães, e se possível com teatro à mistura. Como eu e mais alguns colegas (muito poucos) mostrámos alguma estupefacção pelo que se estava a passar, uma das senhoras americanas apressou-se a dizer, bem alto e em tom ameaçador, que quem não participasse não seria incluído no sorteio de um Magalhães que iriam oferecer.

E, meus caros leitores, era ver 200 professores imbuídos naquela actividade com todo o afinco; sei que muitos grupos trabalharam online pela noite dentro e ao outro dia de manhã, os meus olhos ficaram estarrecidos com a produção apresentada. O desfile dos «trabalhos», (era assim que lhe chamavam) começou, e desde o malhão do Magalhães, até à vida de marinheiro do magalhães, passando por coreografias com adereços circenses, tudo de «útil» passou por aquele palco, até as náuseas me obrigarem a sair. Apenas voltei a entrar para ir junto da senhora que tinha o saquinho das senhas para o sorteio e dizer-lhe que não iria colocar lá o meu papelinho.

Conclusão: à bela maneira dos professores portugueses, que são exímios na arte de obedecer, mesmo não concordando, e na arte de produzir conteúdos, ainda que lúdicos (pena ter sido num contexto absurdo), toda a gente parecia achar aquilo ridículo, mas apenas eu e o meu amigo Paulo Pereira resolvemos sair e mostrar a nossa indignação a uma senhora representante do PTE que, educadamente, tal como eu na abordagem que lhe fiz, esgrimiu as fundamentações para aquelas «sessões de trabalho com a Intel».

Salvou-se a Microsoft e a Caixa Mágica que, na sexta à tarde, nos mostraram, finalmente, algo de útil; no final pedi a palavra para dizer que apenas aquela tarde se tinha salvo no meio das inutilidades que caracterizaram aqueles dois dias, o que, pasme-se, faz arrancar um caloroso aplauso da plateia.

Alguém me explique como se eu tivesse 8 anos, como é possível convocar 200 professores para dois dias de trabalho com a Intel, com a apresentação do «Magalhães» em pano de fundo e, basicamente, 3 senhoras americanas, apoiadas por pessoas de… uma empresa (!), gastarem um dia a obrigar-nos a produzir teatrinhos e cantigas para miúdos de 6 anos, outro meio dia gasto com russos a lerem powerpoints em pseudo inglês, escritos em Português, com tradução por senhoras contratadas.

Como professor e coordenador TIC senti-me vexado nestes dois dias. Aquelas senhoras devem pensar que somos um bando de imbecis e nunca vimos um computador na vida; tudo isto pago pela DREC, cuja Directora, no final, enalteceu o evento.

Relativamente aos meus colegas, mostraram, como sempre, que tudo são capazes de fazer, mesmo o ridículo, mas ficou, essencialmente, a prova de como não há-de o Ministério fazer de nós gato-sapato a seu bel-prazer!!!

Nota: O Magalhães é um excelente equipamento e, mesmo sem aposta na formação e com esta atabalhoada distribuição, julgo ser uma mais valia efectiva para a modernização do caquéctico ensino do 1º ciclo em Portugal.

Aqui fica um video que apanhei durante uma das actuações que mais aplausos arrancaram.

Paulo Carvalho

Wednesday, October 15, 2008

Ideias em tempo de crise

Ideias em tempo de crise

Rui Tavares - 20081015 Público

Já estou habituado a nunca ter lido nada do Prémio Nobel da Literatura quando ele é anunciado. Invulgar é ter lido neste Verão o último livro
do Nobel da Economia.
The conscience of a liberal, de Paul Krugman (em português uma tradução seria "Uma consciência de esquerda"), é um ensaio sobre história política e as suas consequências económicas e sociais.Já estou habituado a nunca ter lido nada do Prémio Nobel da Literatura quando ele é anunciado. Invulgar é ter lido neste Verão o último livro
do Nobel da Economia.
The conscience of a liberal, de Paul Krugman (em português uma tradução seria "Uma consciência de esquerda"), é um ensaio sobre história política e as suas consequências económicas e sociais. A certa altura do seu livro, Krugman convida-nos a levar a sério algumas das políticas que F. D. Roosevelt seguiu para fazer face à Grande Depressão: "Enormes aumentos de impostos sobre os ricos, apoio a uma vasta expansão do poder dos sindicatos e um período de controlo dos salários para diminuir as diferenças entre extremos", entre outras. Não duvido de que para um leitor de direita esta seja uma visão do inferno. Para Krugman, aquelas medidas "igualitárias" foram as grandes responsáveis por uma sociedade preparada para crescer e dar conforto a milhões de pessoas nos anos 50 e 60.
O reverso da história é também conhecido. Em final dos anos 60, por razões que têm principalmente a ver com a história dos conflitos raciais nos EUA, os republicanos tomaram os bastiões brancos do Sul e passaram a dominar a política americana. Este domínio consolidou-se partir dos anos 80 com Reagan (e Thatcher na Europa) e com o tempo contaminou até o próprio centro-esquerda (a Terceira Via de Clinton e Blair foi a aceitação tácita deste predomínio, com algumas medidas periféricas de suavização). As consequências são as que temos agora: extremos de desigualdade e pobreza, menos mobilidade social e uma sociedade fragilizada perante as crises.
O apogeu da crença no mercado omnisciente e omnipresente levou Krugman a escrever isto há dois anos: "O modo de vida dos americanos é agora vender casas uns aos outros, com dinheiro emprestado pelos chineses." Estava correcto e o veredicto soou nas últimas semanas: passámos à beira da catástrofe e para evitar o pior vamos gastar muito do dinheiro que antes nos diziam que não tínhamos para a educação, a saúde ou os transportes públicos.

Um aspecto interessante da carreira de Krugman, para nós portugueses, é o facto de ele ser um observador à distância do nosso país desde que aqui trabalhou em 1976. Já como economista célebre e colunista no New York Times, foi entrevistado em 2004 pelo Semanário Económico e sugeriu que o nosso investimento público se deveria centrar na educação e, em menor medida, nas infra-estruturas. Especialmente interessante para mim, como imagina quem costuma ler esta coluna, foi esta sugestão de política urbana: "Promover a identidade cultural e económica de uma cidade ajuda se se conseguir vender a cidade como um bom sítio para viver e visitar, tornando-a num bom local para fazer turismo, mas também para localizar um negócio."
A esquerda e o centro-esquerda estão mais próximos agora do que alguma vez estiveram nas últimas décadas. Ambos preconizam hoje um reformismo social em torno do combate às desigualdades, aposta na educação e na mobilidade social, defesa da qualidade de vida em meio urbano, apoio às energias renováveis e regulação do mercado. Pode parecer pouco, mas já é mais do que suficiente para nos dar trabalho no próximo par de décadas.

Historiador (ruitavares.net)

Monday, October 13, 2008

As reprovações

Cartas ao Director

As reprovações, Público 13 Out 2008

O país faz orelhas moucas, mas eu
vou repetir (mais uma vez) esta
verdade de La Palisse, tal como
tenho feito ao longo dos últimos
20 anos: as reprovações, pela
própria natureza da escolaridade
obrigatória, são incompatíveis
com um ensino de qualidade e um
alto rendimento escolar. Os países
nórdicos (Suécia, Dinamarca e
Finlândia), reconhecidamente os
países onde o ensino é mais exigente
e de maior qualidade, já perceberam
isto há muito tempo. Nestes países,
os alunos não reprovam no ensino
obrigatório, independentemente dos
níveis atingidos a cada disciplina.
Por estranho que pareça, são
precisamente as reprovações,
na escolaridade obrigatória, que
obrigam a que se aldrabem os
resultados, se nivele por baixo
e se inflacionem as notas. Com
efeito, se os professores, com o
nosso sistema de reprovações,
fossem exigentes e atribuíssem as
classificações de acordo com o nível
de conhecimentos atingido pelos
alunos, o insucesso e o abandono
escolar atingiriam números
impensáveis e inadmissíveis num
país da União Europeia.
Então, o que é que se faz para
se fingir que temos um ensino
exigente e de qualidade? Aldrabamse
os resultados e inflacionam-se as
notas, com vista a transmitir a falsa
ideia de que os alunos atingiram os
objectivos. E como há sempre 20%
de alunos que reprovam, isso ajuda a
dar credibilidade à aldrabice.
Quanto aos 20% dos alunos que
reprovam, por muito que custe
ouvir, a verdade é que 99% destes
alunos acabam por passar, por
antiguidade, no ano seguinte ou dois
anos depois, a saberem, em regra,
menos do que sabiam no primeiro
ano que reprovaram e com a mesma
nota dos que passaram por mérito
quando eles reprovaram. Ou seja,
sem nada fazerem, acabam por
terminar a escolaridade obrigatória
com o mesmo nível daqueles que
sabiam muito mais do que eles.
Ora, isto não só é absolutamente
injusto e desmotivador para alunos
e professores, como faz com que
as classificações atribuídas pelos
professores não tenham qualquer
relevância informativa.
Pelo contrário, se os alunos não
reprovassem, as classificações
atribuídas pelos professores
poderiam reflectir o verdadeiro
nível atingido pelo aluno a cada
disciplina, permitindo dessa forma
a qualquer pessoa (aluno, pai,
professor, analista, empregador,
ministra, etc.) interpretar os
resultados, tomar medidas e extrair
daí as consequências. Neste caso,
se um aluno quisesse terminar a
escolaridade obrigatória com nível
três, não lhe bastava ficar sentado
no seu lugar à espera que o tempo
passasse, teria de trabalhar e de se
esforçar para isso, caso contrário
terminava com nível um. Além
disso, isso valorizava e credibilizava,
inevitavelmente, os certificados
de habilitações, evitava que os
repetentes se amontoassem nas
turmas à espera da sua hora de
passar sem fazer nada e permitiria
à ministra e à escola encaminhar
e apoiar os alunos com nível um e
dois, com vista à sua recuperação.
Se não fôssemos um país de
cabeças duras, não seria difícil
chegar a esta conclusão. Assim,
resta-nos esperar que os nossos
ministros, secretários de Estado,
professores, comentadores e outros
inteligentes, de tanto baterem com a
cabeça na parede, a consigam abrir.
Santana-Maia Leonardo, Abrantes

Thursday, October 02, 2008

A oportunidade Magalhães

CARTAS AO DIRECTOR
- 20081002 Público

A oportunidade Magalhães


Num artigo de opinião publicado ontem no PÚBLICO, Santana Castilho manifesta-se preocupado pela aceitação generalizada que o Magalhães está a merecer. Eu fico mais preocupado com o tipo de argumentos que este professor do ensino superior apresenta, sobretudo quando compara com "um porco satisfeito" quem se alegra pela iniciativa Magalhães. Menos chocante, mas igualmente preocupante, é que afirme que este projecto é uma escolha de "tecnocratas deslumbrados pela tecnologia", porque, defende, primeiro é preciso "o conhecimento puro". É sempre possível argumentar que não se deve fazer uma coisa porque falta outra "mais estrutural". Mas essa fórmula de defender uma opinião é puramente retórica e só serve para legitimar uma posição conservadora e torná-la, aparentemente, lógica. Num mundo que muda à velocidade que tem sido bem evidente nas últimas semanas, é preciso agir no sentido correcto e não encontrar desculpas para se continuar parado.
Há dois anos, Portugal estava claramente dividido ao meio no acesso a computadores e Internet: metade das famílias tinham computador e banda larga, mas a outra metade estava excluída por uma barreira económica, social ou de literacia. Foi essa a razão que levou o Governo a avançar com o e-escola, porque era claro que o mercado, só por si, não estava a conseguir quebrar essa barreira. Pouco mais de um ano após o seu lançamento, o sucesso do e-escola, com mais de 250.000 portáteis entregues a professores, alunos e adultos em formação, demonstrou que Portugal era capaz de concretizar iniciativas com esta ambição. Foi isso que criou a oportunidade para o Magalhães e o e-escolinha aparecerem, numa parceria que envolve a Intel, os operadores de telecomunicações, fornecedores de software e conteúdos e um consórcio de empresas portuguesas.
O Magalhães vale mais do que dúvidas e polémicas estéreis. O Magalhães vale pelo brilho nos olhos das crianças que o recebem e vale pela oportunidade que lhes é dada de acreditar no futuro e construir algo de novo. Vale sobretudo porque coloca o computador e a Internet ao alcance de todas as crianças, e não apenas daquelas cujas famílias podem pagar os preços de mercado. E o Magalhães não surge em vez das outras coisas que faltam ao sistema de ensino; vem enquadrado no que tem sido feito para criar melhores condições nas escolas, melhorar a gestão e dar mais estabilidade aos professores. Para além do Magalhães, estão a ser investidos 400 milhões de euros em redes, equipamentos e formação de professores através do Plano Tecnológico para a Educação.
A oportunidade é clara. Com o e-escola e o e-escolinha, todos os professores e todos os alunos entre os 6 e os 18 anos passaram a ter ao seu alcance um computador com ligação à Internet. Estamos a falar de 1 milhão e meio de portugueses, 15% da população. Não há memória de um investimento desta ordem, nem há nenhum país que tenha feito nada parecido. Claro que a tecnologia, só por si, não é uma "varinha mágica" para resolver problemas, mas é um fortíssimo catalisador de mudança que ajudará à inovação pedagógica, à criação de conteúdos e à participação de muito mais portugueses na rede global. É por isso que, com o Magalhães, o que está em causa é acreditar na nova geração de portugueses e dar-lhes as oportunidades que faltaram às anteriores.
Rui Grilo
(Não se identificou mas é Coordenador Adjunto para o Plano Tecnológico)

Wednesday, October 01, 2008

O Magalhães, o porco e o Sócrates (o outro)

O Magalhães, o porco e o Sócrates (o outro)

Santana Castilho - 20081001 Público

Fornecer tecnologia sem cuidar da literacia que a permite utilizar é drasticamente pobreSobre o Magalhães (refiro-me ao computador português feito no estrangeiro) já se escreveram muitos e interessantes comentários, uns a favor e outros contra. Tudo visto, parece-me que resta uma generalizada (mas para mim preocupante) aceitação da medida. Ouviram-se escolas e professores sobre a iniciativa? Não, porque por elas pensa a ministra, para quem o Magalhães constitui "o instrumento principal da democratização do ensino"; ponderou-se o impacto que a tecnologia tem na melhoria do aproveitamento escolar dos jovens, analisando estudos disponíveis sobre a matéria, que concluíram pela sua irrelevância? Não, porque o coordenador do Plano Tecnológico já disse ao que vai: dois alunos por computador em 2010!
Dou de barato não saber que critérios presidiram à escolha deste computador e não de outro, da Intel ou da empresa de Matosinhos, e simplesmente não engulo a fantasia da ausência de custos para o Estado. Mas o que acho verdadeiramente preocupante é a generalizada adesão ao culto duma modernização pacóvia, que tudo resume ao mero mercantilismo (e não utilitarismo, como muitos impropriamente referem o conceito que, enquanto teoria filosófica, é coisa bem diferente). A formação sólida, que constitui a missão da Escola e dos professores, deve assentar numa clara hierarquia de valores: primeiro o conhecimento puro, depois o instrumental. Mas o que se tem feito ultimamente é a secagem das actividades cognitivas, substituindo-as pelas meramente instrumentais. Foi assim que se trocaram clássicos da literatura por textos ditos pragmáticos (simples formulários, notícias jornalísticas ou mensagens publicitárias) e se preferiram as actividades conducentes à aquisição de "competências" em detrimento das actividades de forte componente cognitiva. Foi assim que se enfraqueceu o ensino da Gramática, da Filosofia e da História e se reforçaram iniciativas híbridas ("área projecto" e "estudo acompanhado"). Surpreendente? Não, se tivermos em vista que quem decide são tecnocratas deslumbrados pela tecnologia e convencidos que os "bichavelhos" são suficientes para educar o povo.
Parece-me evidente que há mais gente satisfeita com este bodo de Magalhães a eito que gente insatisfeita e ciente, como eu, de que as crianças do ensino básico não vão aprender melhor a ler e a interpretar o que lerem por causa dos computadores; ou de que não aprenderão mais cedo e melhor a Matemática fundamental por via do Magalhães; ou de que não se iniciarão precocemente na actividade de pensar e perceber o que as rodeia, por via do portátil. E é aí que reside o problema: fornecer tecnologia sem cuidar da literacia que a permite utilizar é drasticamente pobre. O impacto da componente cognitiva do ensino só pode ser comparado com o da sua vertente instrumental por quem conhece as duas e tem do exercício profissional uma autoridade que os tecnocratas desprezam. O tecnocrata é por norma e por formação pouco sólida um fanático da tecnologia, que com ela se satisfaz e nem sequer aprende com a natureza efémera de tantos projectos tecnológicos (lembram-se do ensino assistido por computador, do Minerva, do Nónio, das Cidades Digitais e do endereço electrónico para cada português, entre outros?).
Stuart Mill referiu-se assim a esta questão fundamental do pensamento e da natureza humana:
"É indiscutível que o ser cujas capacidades de prazer são baixas tem uma maior possibilidade de vê-las inteiramente satisfeitas; e um ser superiormente dotado sentirá sempre que qualquer felicidade que possa procurar é imperfeita. (...) É melhor ser um ser humano insatisfeito do que um porco satisfeito; um Sócrates insatisfeito do que um idiota satisfeito. E se o idiota ou o porco têm opinião diferente, é porque apenas conhecem o seu lado da questão. A outra parte da comparação conhece ambos os lados..."

Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)