Thursday, September 23, 2004

Debate do PS e Unanimismo do PSD Por JOSÉ PACHECO PEREIRA

Público
Quinta-feira, 23 de Setembro de 2004

enso que o debate que se trava no PS o reforça e que o unanimismo no PSD o enfraquece. Tenho várias razões para o dizer, a principal das quais tem a ver com as necessárias mutações da vida partidária e a sua adaptação ao mundo mediático, nos seus bons e maus aspectos. Os bons aspectos têm a ver com a vantagem da comunicação social de massas em democratizar a vida política, levando a um maior número de pessoas informações que permitem sustentar uma decisão, neste caso de escolha de pessoas.

Os maus aspectos têm a ver com a selecção natural pelo espectáculo e não pelas qualidades individuais, e a notória capacidade de os media modernos substituírem o argumento, o Logos, pelo anedotário confrontacional e pelo soundbite. Os media tornam cada vez mais funda a contradição entre as qualidades exigidas para se ganhar uma eleição e as necessárias para se exercerem os cargos. É pois numa fina linha entre a vantagem democrática e a necessidade comunicacional, por um lado, e a perversão demagógica e o populismo, por outro, que tudo se decide.

Comecemos pelo PS. Três militantes de relevo do PS candidatam-se ao cargo de secretário-geral num processo eleitoral que se faz essencialmente na praça pública. Houve desde o início relutância por parte do PS nesta abertura do debate e tentativas de o restringir às sedes partidárias. Os maus hábitos morrem devagar e, se tal acontecesse, o que viria a público seriam as notícias cozinhadas pelos candidatos que melhor capacidade e contactos tivessem na comunicação social. Se as questões são públicas e se o debate é político, não há razão nenhuma para que o debate não seja público e eu tenha que saber o que João Soares pensa de Sócrates, e vice-versa, através de opiniões anónimas.

Depois, o modelo eleitoral de eleição do secretário-geral do PS aproxima-se cada vez mais do modelo genérico para a eleição legislativa e para a escolha cada vez mais decisiva da personalidade do primeiro-ministro. Sendo assim, as "primárias" partidárias exercem o efeito positivo de os eleitores poderem ter acesso a um processo de escolha, no qual se podem antever as qualidades dos dirigentes partidários que depois encontram no mercado eleitoral legislativo para o exercício da governação.

Para o debate ter efeitos positivos, ele deve ter mais do que a duração mínima de um congresso de três dias. Um dos meios de contrariar o efeito soundbite e os "homens de plástico" é serem observados numa situação de competição durante algum tempo. No debate do PS isso favoreceu Alegre, que se percebe que é uma personalidade com espessura, e mesmo Sócrates beneficiou do debate para se "fazer" no confronto, muito para além do "plástico" da sua desastrosa entrevista ao "Expresso".

Por último, não sendo o debate no PS muito interessante do ponto de vista político-ideológico, revelou diferenças tácticas na condução política do partido, por exemplo na política de alianças, cujo conhecimento melhora a transparência da vida pública.

No PSD vive-se um período muito diferente, de grande anomia partidária, e de um unanimismo esmagador. Tudo indica que este unanimismo se concentra no "aparelho" partidário (como no PS teria acontecido se o confronto de candidaturas não tivesse dissolvido o apoio maciço do "aparelho" a Sócrates), e é bem menor entre os militantes e os eleitores do partido. O peso deste unanimismo não é de agora, dado que a tradição de debate no PSD é diferente, em parte porque há uma cultura de autoridade interna que coexiste com uma tradição de rebelião, hoje já muito enfraquecida. Este enfraquecimento, que fez desaparecer (e não mais aparecer) grupos como a Nova Esperança, acompanhou a perda progressiva das qualidades basistas do PSD, durante a direcção de Cavaco Silva, acentuando-se com Fernando Nogueira, Barroso e Santana Lopes. O processo não foi linear e houve momentos em que o debate emergiu com toda a força, como quando Barroso confrontou Nogueira no Coliseu, talvez o último momento de "popularização" da vida partidária, levada aos portugueses em geral. No entanto, quase todos os dirigentes de topo do PSD, em particular Marcelo Rebelo de Sousa, Durão Barroso e Santana Lopes, actuaram de forma organizada e pública em oposição às lideranças do partido. Cavaco Silva fez o mesmo num passado mais longínquo.

Hoje, a desertificação do debate interno no PSD leva a acentuar as formas conspiratórias e anónimas do confronto político, formando toda uma nova geração nesse tipo de actuação. A conspiração, a fonte anónima, a intriga, acabam por ser aceites como naturais e pululam em recados nos jornais, como se vê em cada edição do "Expresso", ou nos jornais de recados, como pouco mais são o actual "Semanário" ou o "Diabo". A característica deste tipo de actuação é que pouco tem de político e por isso não interessa a ninguém, a não ser a um pequeno grupo de iniciados, eles próprios produtores e consumidores.

Cria-se no partido uma cultura claustrofóbica, em que se acha natural a fuga de informação, a opinião anónima, o "recado", e se ataca a opinião com nome e cara. Um exemplo típico dessa atitude é o comunicado da Comissão Política Permanente do PSD-Porto contra Marcelo Rebelo de Sousa, queixando-se da "crescente agressividade e despropositada animosidade que semanalmente expressa relativamente ao partido, seus dirigentes e militantes", e as "críticas injustas e desproporcionadas" que tem "sucessivamente emitido acerca da personalidade e desempenho dos membros do Governo", em particular Santana Lopes. Esta atitude é errada e nunca foi a de muitas pessoas no PSD, a começar pelo actual primeiro-ministro, que nunca se coibiu de fazer críticas públicas aos dirigentes do PSD e aos seus governos.

Sempre que no PSD se manteve um debate crítico público sobre política e suas orientações, o partido reforçou-se, a exemplo do que acontece hoje com o PS. Seria por isso positivo, inclusive face a um novo Congresso, que o partido abrisse um debate franco nas suas fileiras, nos seus meios de comunicação, nas suas páginas electrónicas, sobre matérias tão cruciais para o seu futuro como sejam a política de coligação com o PP, os aspectos da governação, a estrutura organizativa, o futuro da JSD e TSD, a modernização do seu Programa e dos Estatutos, sem que tal debate se faça, logo à cabeça, associado a listas, delegados, moções e lideranças.

Historiador

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