Saturday, October 02, 2004

"Regresso às Aulas" e Liberdade de Educação Por FERNANDO ADÃO DA FONSECA

Público
Sexta-feira, 01 de Outubro de 2004

Luís Salgado de Matos, no seu artigo "Regresso às aulas" do passado dia 20 de Setembro, dizia o seguinte: "Deveremos mudar de alto a baixo as escolas portuguesas e reconhecer aos pais o direito de optar livremente entre qualquer delas?" Estava à espera de um "sim" muito claro. Em vez disso, o autor começou por dizer que a frase entre aspas é do Fórum para a Liberdade de Educação e expôs um conjunto de ideias que interpretam mal o que defende este Fórum. Vejamos o essencial.

1. A dita frase é nossa, mas resulta directamente da Declaração Universal dos Direitos do Homem (n.º3 do art.º 26º), quando diz que "aos pais pertence a prioridade do direitode escolher o género de educação a dar aos filhos", e da própria Constituição da República Portuguesa (n.º1 do art.º 43º), quando diz que "é garantida a liberdade de aprender e ensinar". Trata-se, por isso, de um direito fundamental e inalienável de todo e qualquer cidadão. Só os inimigos da liberdade são contra os direitos fundamentais.

2. Nós defendemos uma concepção de escola pública que retira racionalidade à contraposição entre escola estatal e escola privada. Para nós, é errado e antidemocrático ajuizar o serviço prestado pelas escolas em função da sua titularidade estatal ou privada, pois o valor do serviço prestado por uma escola não varia em função do seu dono, mas sim, e apenas, do serviço que é efectivamente prestado. Para nós, só tem sentido diferenciar o serviço de educação entre dois tipos de escolas: escolas públicas e escolas independentes.

3. Um primeiro tipo é constituído pelas escolas que devem constituir a "rede de serviço público de educação". Estas escolas têm de estar abertas a todos os cidadãos, assegurando em conjunto o direito de educação a todos os cidadãos sem excepção. O custo de educação, assumido na sua totalidade pelo Estado, deverá, portanto, ser o mesmo em todas estas escolas, quer sejam estatais ou não.

4. Mais concretamente, devem incluir-se neste grupo, para além da generalidade das escolas do Estado, todas as escolas que desejem fazer contratos de serviço público de educação (é o caso dos já existentes contratos de associação), significando isso aceitar as mesmas regras de gratuitidade e dando preferência aos alunos que pertencerem ao mesmo agregado familiar, aos residentes da área e aos de menor idade. À semelhança do que acontece, por exemplo, com os transportes, que são designados por "públicos" quando estão abertos a todos os cidadãos a um preço igual para todos, o Fórum defende que as escolas estatais e privadas que satisfaçam este requisito sejam designadas por "escolas públicas".

5. Deixaria de haver monopólios de qualquer espécie, como existem neste momento, a nível local e não só. É por existir monopólio no sistema actual que a qualidade da educação é tão má, prejudicando o futuro dos portugueses, e, portanto, enfraquecendo o nosso futuro como nação. Com a abertura da "rede de serviço público de educação" a toda e qualquer iniciativa que cumprisse os seus requisitos de entrada, a concorrência (obviamente regulada pelo Estado) encarregar-se-ia de garantir que as escolas sem qualidade desapareceriam. Mesmo onde existisse uma única escola, haveria sempre a possibilidade de ser criada uma escola ao lado que concorresse com essa. Haveria aquilo que se chama "concorrência potencial", que é o mínimo que sempre se deseja em qualquer situação.

6. Um exemplo que conheço bem poderá ajudar a perceber o que isto significa. Numa zona suburbana da cidade de Lisboa, existia (e existe ainda) uma determinada escola que funciona com péssima qualidade, por razões várias, especialmente por má qualidade da sua direcção e gestão. Um grupo de professores dessa escola estava disposto a criar uma escola de raiz na zona, assumindo o risco total do investimento. Apenas pediam ao Estado que lhes pagasse por aluno que optasse pela nova escola exactamente o mesmo que o Estado paga à outra escola. A resposta do Estado foi "não", perdendo os alunos daquela zona a possibilidade de terem uma educação de qualidade. Em vez disso, a escola antiga continua a atirar para a sociedade rapazes e raparigas sem futuro e sem formação cívica.

7. Um segundo tipo é constituído pelas escolas que designamos por "independentes". São as escolas que, embora prestando também um serviço educativo de interesse público, designadamente cumprindo os conteúdos educativos mínimos obrigatórios a nível nacional, pretendem total autonomia de selecção de alunos e de estrutura curricular ou de definição dos valores das propinas muito para além do valor suportado pelo Estado e, por isso, não fazem parte da "rede de serviço público de educação". Na medida em que estas escolas não se obrigam a assegurar o direito de educação a todos os cidadãos sem excepção, a participação pelo Estado no custo da educação, a existir, deverá ser inferior ao valor pago nas escolas anteriores.

8. Como é evidente, competiria ao Estado garantir que todas as escolas cumprissem os requisitos mínimos de uma educação de qualidade, incluindo em relação aos valores transmitidos, não autorizando, por exemplo, estabelecimentos de ensino com valores ditos "extremistas" de qualquer tipo.

No nosso sítio na Internet - www.liberdade-educacao.org - explicamos em maior detalhe o que tem sido o nosso combate civilizacional pela liberdade de educação. Sem esta liberdade, o serviço público de educação não estará verdadeiramente democratizado. Sem autonomia das escolas e sem concorrência entre elas, não há qualidade. Não haverá igualdade de oportunidades. Portugal será um país irremediavelmente atrasado, onde serão os mais fracos a mais sofrer. Os inimigos da liberdade não irão, certamente, lutar contra os equívocos que perduram no nosso sistema educativo.

Presidente do Fórum para a Liberdade de Educação

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