DN, 20 de Outubro de 2004
A duração dos cursos superiores está para ser reduzida outra vez em Portugal, com licenciaturas de três anos, na maioria - os mestrados correspondendo, aproximadamente, às actuais licenciaturas bietápicas do politécnico (cinco anos, bacharelato no terceiro). Embora tal medida não vá contra o espírito nem a letra da Declaração de Bolonha (assinada, em 1999, por ministros da Educação de 29 países europeus, o nosso incluído) e até se lhe aproxime, teme-se o pior, face ao estado catastrófico dum sistema capaz de engendrar licenciados(as) que mal dominam a língua materna, saldo de sucessivas políticas educativas desastrosas e desencontradas reformas.
Para além do estado de coisas nacional, a crise na universidade é global, acentuando a pertinência destes livros de ensaios (patrocinados por Coimbra 2003 mas distribuídos há pouco), no âmbito do debate em torno da vocação e do papel da universidade. Debate de incidência social, implicado com responsabilidades de cidadania, onde se defrontam, grosso modo, posições técnico-burocráticas e as que defendem o primado do conhecimento em si - casos dos livros em apreço, cada qual a seu modo. Missão da Universidade e Outros Textos, do filósofo espanhol Ortega y Gasset (1883-1955), nos anos 30 do século XX, dá um certo background ao que se segue; A Universidade em Ruínas, do britânico, docente de literatura comparada no Canadá, Bill Readings (1960-1994), é uma reflexão de finais do século XX, mais ou menos contemporânea de A Universidade sem Condição, do filósofo francês Jacques Derrida (1930-2004), embora sob enfoque diverso.
Gasset acusava a universidade de ter esquecido a sua missão principal. «A ciência e o profissionalismo deslocaram a cultura», escrevia, entendendo por cultura «o que salva o homem do naufrágio vital» e defendendo uma base cultural geral contra o estrito conhecimento especializado. Visão subordinada a um grande projecto de regeneração cultural, longe da «exigência de impossível» derridiana.
Para a Universidade sem Condição, Derrida reivindica «um espaço de humanidades novas». Ela «deveria permanecer um lugar último de resistência crítica - e mais que crítica [subentenda-se desconstrutiva]», implicando «o direito principal de tudo dizer, a título de ficção e de experimentação do saber, e o direito de o dizer publicamente, de o publicar», bem como um princípio e uma força de resistência - e dissidência - contra a universidade «sucursal de conglomerados e firmas internacionais».
N'A Universidade em Ruínas, «a caminhar para o estatuto de empresa transnacional», a noção essencial de cultura deu lugar à de excelência, técnico-burocrática, vinda do mundo dos negócios, em tentativa de gerir a universidade como um negócio entre outros. Também os professores deram lugar a administradores, a quem os primeiros prestam contas. Concepção enquadrada no movimento de globalização, em que «já não se recorre à universidade para formar sujeitos-cidadãos», pelo que «já não está assegurado o lugar central das disciplinas humanísticas». Contra isso, defende-se a universidade que seja «local entre outros onde a questão de ser-em-conjunto é levantada com urgência».
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