Saturday, October 02, 2004

Mais exigência e mais atenção às escolas POR José Manuel Fernandes

Editorial
Por JOSÉ MANUEL FERNANDES
Público Sábado, 02 de Outubro de 2004

O que tem feito o Ministério para apoiar as escolas que estão no fundo da tabela? Aparentemente nada, pois de ano para ano os seus resultados têm piorado de uma forma quase geral


O antigo ministro da Educação Marçal Grilo costuma dizer que o centro do sistema educativo são as escolas e, quando passou pela 5 de Outubro, tinha no seu gabinete um mapa do país onde alfinetes de várias cores marcavam as escolas que já tinha visitado. Ao quarto ano de publicação sucessiva do "ranking" das escolas secundárias, ordenadas de acordo com os resultados obtidos pelos seus alunos em oito das disciplinas mais frequentadas do 12º ano, é possível ver como o antigo ministro tinha razão - e como pouco tem sido feito na esmagadora maioria das escolas do país.

Como justamente assinala, nesta edição, Valadares Tavares, após esta série de resultados o que mais inquieta é que as piores escolas estão a ficar piores ou mais distantes das melhores, o que acentua as assimetrias. Isto mostra que os ensinamentos que o mastodôntico e, regra geral, acéfalo Ministério deveria tirar dos resultados que têm sido publicados não estão a ser tirados. Isto é: se os "ranking" permitem perceber as escolas onde os alunos obtêm melhores resultados (o que é muito importante para os pais quando estes têm liberdade de escolha) também indicam quais as que têm piores resultados - o que deveria levar o Ministério a desencadear acções destinadas a melhorar as condições em que essas escolas trabalham. Porque é possível melhorar: aqui e além há exemplos de escolas que saíram dos últimos lugares e registaram impressionantes progressos. Infelizmente são a excepção, o que indica que ou a evolução é conjuntural ou, então, resulta do esforço da escola. O que não devia ser possível era encontrar, dois anos seguidos, a mesma escola pública, para mais situada numa zona deprimida do país, no último lugar.

No entanto, em vez de centrar as suas preocupações na escola, em dar-lhes condições para terem lideranças fortes e corpos docentes estáveis, em ajudá-las a melhorar e a conhecer as melhores práticas, o Ministério faz exactamente o contrário ao, por exemplo, centralizar a colocação de professores e fazer das suas carreiras um rali aleatório pelo país que só acaba quando o professor chega à escola que deseja, um sistema totalmente centrado nos interesses dos professores e desfocado das necessidades das escolas. O erro final de um computador só torna depois ainda mais gritante, injusto e instável o que, por definição, está pensado para nunca permitir, por exemplo, a estabilidade dos corpos docentes.

Ora quando olhamos para as escolas que ocupam os lugares cimeiros da lista verificamos que, a par com a vantagem de disporem à partida de alunos com mais apoio familiar e provenientes de meios sociais mais avançados, todas elas fizeram da cultura da exigência o seu lema e todas elas procuram métodos que lhes permitam trabalhar melhor com os alunos - as reportagens que publicamos são, a esse nível, elucidativas. Especialmente a realizada no colégio de Vila Real que, surpreendentemente, alcançou este ano o topo da lista, um colégio que por se situar numa das regiões com piores resultados do país mostra que é possível fazer a diferença quando se trabalha para isso.

De resto o mesmo ocorre noutras regiões, onde por vezes se destacam ilhas de excelência num mar de mediocridade, sendo que alguns dos concelhos com melhores resultados médios nalgumas disciplinas são concelhos pobres do interior do país. É no que aí se passa que se deve pôr os olhos - é o que aí se passa que o Ministério deveria estudar e divulgar, pelo menos entre os que ficam sistematicamente para trás.

Esta última questão é, de resto, muito importante: quando há escolas que parecem irrecuperáveis, quando "cair" nessa escola é quase como ser condenado a um ensino medíocre, quando são os mais pobres que não conseguem fugir a esse destino, o Ministério deveria permitir a emergência de escolas concorrentes, mesmo que não públicas mas integradas na rede pública e cujos alunos, sendo caso disso, deveriam ser subsidiados para as frequentar. Isso permitiria uma liberdade de escolha que estimularia as escolas a lutarem pelos seus alunos, algo que notamos no topo da tabela onde se mantém um fortíssimo peso de estabelecimentos do ensino privado. E mantém-se porquê? Porque se não formarem bem os jovens que os frequentam, os pais mudam os filhos de escola - os pais que podem pagar, naturalmente.

Esta assimetria entre os que podem e, por estarem em escolas obrigadas a viver em ambiente concorrencial, vêem-nas melhorar os seus resultados, e os que estão condenados ao esquecimento no fundo da tabela é uma tremenda injustiça social que o Ministério, apesar de dispor deste excelente instrumento que é poder comparar os resultados finais, tem deixado acentuar. Assim, ao permitir a degradação comparativa de muitas escolas públicas, o que o sistema faz é exactamente o contrário do que apregoam os que defendem as virtudes da ausência de concorrência: garantir uma real igualdade de oportunidades. Algo que não existe enquanto os últimos forem cada vez mais últimos e não existirem alternativas melhores ou, por falta de meios financeiros, muitos não puderem aceder a elas. O que só se tem agravado com a mistura de estatismo quase leninista (contrário a uma real liberdade de escolha dos pais e alunos) e de centralismo napoleónico (inimigo das escolas, da sua autonomia e da sua responsabilização) que tem continuado a comandar as escolhas políticas feitas nos últimos anos na 5 de Outubro.

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