Público
Quarta-feira, 16 de Fevereiro de 2005
Miguel Frasquilho
Vamos ser claros: a promessa - ou compromisso ou objectivo, como lhes queiram chamar - do Partido Socialista de ter na próxima legislatura um crescimento económico de 3 por cento ao ano e de recuperar os 150 mil postos de trabalho perdidos desde que a governação PSD-CDS/PP iniciou funções, em Abril de 2002, é absolutamente inexequível e, portanto, trata-se de uma farsa que é apresentada à população. É por isso que a procurarei desmascarar nas linhas que se seguem.
Apesar de referir que se trata de um objectivo, o que o PS faz é prometer a criação de 150 mil postos de trabalho até 2009, tudo baseado num crescimento do PIB de 3 por cento ao ano e no já hoje mui famoso "plano" ou "choque tecnológico".
O crescimento económico não se decreta. Não há diploma legal que possa garantir que cresceremos 3 por cento ao ano até 2009. Quem dera que assim fosse, mas as recentes projecções do Banco de Portugal, da Comissão Europeia ou a OCDE não vão nesse sentido: pelo menos até 2006, o crescimento não ultrapassará os 2,5 por cento anuais; e a prestigiada "The Economist" prevê, numa detalhada análise sobre a nossa economia, que um crescimento do PIB de 2,5 por cento seja atingido apenas em 2009, devendo ser sempre inferior até lá.
Logo aqui há uma grande diferença entre os programas eleitorais de PSD e PS nesta matéria. O PSD conta com a "sua" acção directa (isto é, dos decisores políticos e da administração pública), através de um "choque de gestão", para poder reduzir o peso do Estado na economia, elevar a produtividade e mudar este "estado de coisas"; o PS conta com aquilo que não pode controlar: um crescimento de 3 por cento. E, para lá chegar, apresenta um "plano tecnológico" - que ainda nem sequer se conseguiu perceber no que consiste...
Aqui entra o segundo ponto que quero realçar. Um "plano tecnológico" nunca produzirá efeitos palpáveis antes de 10 a 15 anos (uma geração, 20 a 25 anos, é o horizonte mais provável). Como é que o PS nos vem dizer que em apenas quatro anos (!) um "choque tecnológico" terá efeitos?! A possibilidade de o PIB crescer 3 por cento ao ano através de um "plano tecnológico" nem sequer é remota - simplesmente não existe.
Se, por milagre, tal sucedesse, seria possível recuperar os 150 mil postos de trabalho perdidos desde Abril de 2002? A Teoria Económica diz-nos que não, através da famosa lei de Okun, da autoria do economista Arthur Okun, que estabelece que o desemprego tende a reduzir-se (ou aumentar) quando o crescimento do PIB se encontra acima (ou abaixo) do seu crescimento potencial (ou tendência de longo prazo). A simples aplicação ao nosso país desta regra tal como foi formulada por Okun diz-nos que só seria possível recuperar 150 mil empregos em Portugal nos próximos quatro anos se a economia crescesse 4,2 por cento ao ano! Com 3 por cento, seriam criados pouco mais de 40 mil empregos.
O próprio PS reconhece que esta regra se aplica ao nosso país: no Relatório do Orçamento do Estado para 2000 (era o PS governo), na "caixa" da página 19 pode ler-se que "(...) vários estudos empíricos sugerem que em Portugal se tem verificado uma relação de Okun estável desde meados da década de 80". E, para confirmar que o PS tinha razão neste ponto, estimei esta relação para Portugal, com dados desde a nossa adesão à então CEE, em 1986, até agora (uma amostra de anos já significativa), tendo obtido um modelo que, do ponto de vista estatístico, mostrou uma forte aderência à realidade. Depois, projectei o resultado para a nossa economia até 2009, admitindo um crescimento anual de 3 por cento (como "promete" o PS), que o nosso crescimento potencial se situa, actualmente, entre 2 por cento e 2,5 por cento (o que me parece consensual), e partindo dos últimos números conhecidos do desemprego (3º trimestre de 2004, do INE, ou Dezembro de 2004, do IEFP). A conclusão a que cheguei indica que seria possível criar pouco mais de 80 mil postos de trabalho nos próximos quatro anos; para os 150 mil novos empregos, a economia teria de crescer quase a 4 por cento ao ano (mais propriamente 3,9) nos próximos quatro anos. Portanto, a lei de Okun estimada para a nossa economia continua a deitar por terra o "objectivo do PS" na área do emprego até 2009.
Desfeita esta falácia, não deixei de me interrogar - por que diabo teria vindo o PS prometer o impossível? A resposta surgiu logo que o programa eleitoral dos socialistas foi apresentado: por cada duas saídas de funcionários públicos, o PS admite, se vier a formar governo, contratar um novo funcionário! Segundo as suas estimativas, reformar-se-ão, até 2009, cerca de 150 mil funcionários públicos - pelo que entrarão 75 mil novos funcionários. E, desta forma, metade do objectivo de criar 150 mil novos postos de trabalho estaria garantido!
Como sabe o PS que a nossa administração pública necessita de 75 mil novos funcionários? Já estudou o assunto, já sabe as necessidades e os excedentes de todos os organismos e serviços públicos? Duvido. E se bem me lembro: em 2001, no Ecordep de Pina Moura - que infelizmente não chegou a ser colocado em prática, porque o ministro saiu antes de o poder fazer -, a regra não era "uma entrada por quatro saídas"? Ora, já que se gosta tanto de regras, por que não utilizar esta, bem mais restritiva e ambiciosa para modernizar a nossa administração pública e consolidar a despesa do Estado? Julgará o PS que já nos esquecemos do verdadeiro clientelismo despesista de 1996 a 2001, quando foram contratados mais de 130 mil novos funcionários públicos em termos líquidos (ou melhor, mais de 200 mil, porque se reformaram cerca de 70 mil)? Isto é, mais de 22 mil por ano?! É que nos dez anos anteriores, nos governos de Cavaco Silva, foram admitidos, em média, pouco mais de 5 mil funcionários públicos por ano...
Diz o PS que boa parte destas entradas correspondeu a trabalhadores em regime de avença (recibos verdes), que tinham forçosamente de ser integrados no quadro da administração pública. Com certeza; o problema é que esses casos não ultrapassavam os 30 mil a 40 mil indivíduos - e não 130 mil ou 200 mil... Então, entre 1998 e 2001 (com eleições autárquicas, europeias e legislativas no horizonte...), foram quase 30 mil as novas entradas por ano! Dei-me ao trabalho de verificar como teriam evoluído as nossas contas públicas se entre 1998 e 2001 o governo do PS tivesse admitido 10 mil novos funcionários públicos por ano em termos líquidos, mantendo-se tudo o resto constante. Pois bem, o nosso problema orçamental estaria hoje parcialmente resolvido, pois a factura anual corresponde a 1,5 por cento do PIB ou, a preços de hoje, cerca de 2 mil milhões de euros (ou 400 milhões de contos, na moeda antiga). E isto ano após ano...
Para se ter uma ideia: em 2001, Portugal não teria furado o Pacto de Estabilidade e Crescimento e, em 2004, o défice público, que terá atingido 2,9 por cento do PIB, teria sido de 1,4! Ou, de outro modo, não teria sido necessário integrar o fundo de pensões da CGD na Caixa Geral de Aposentações para se ter um défice inferior a 3 por cento do PIB.
Quando ouvimos o PS afirmar que assim o peso das despesas com o pessoal na administração pública será reduzido, nem se acredita - quem pagará as pensões aos 150 mil que se reformam? Claro, o Estado - ou seja, todos nós através dos nossos impostos! Portanto, com a regra do "1 para 2", a factura conjunta dos salários e das pensões públicas explodirá. Não haverá contenção nem consolidação. Pior: os esforços dos últimos três anos terão sido em vão.
É por isso que o voto do dia 20 de Fevereiro precisa de ser muito ponderado. Ainda estamos a pagar a factura da irresponsabilidade, do despesismo e do clientelismo que vigoraram de 1996 a 2001. E é uma factura que perdurará. Será que a queremos tornar ainda mais pesada? É que quer o eng. Sócrates quer a esmagadora maioria dos que o rodeiam são os mesmos que nos governaram entre 1996 e 2001 e fugiram... Entre a farsa "crescimento de 3 por cento ao ano/criação de 150 mil novos empregos" e o regresso ao passado, venha o diabo e escolha...
Economista, candidato do PSD à Assembleia da República pelo círculo eleitoral da Guarda
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