Sunday, February 13, 2005

A Reforma Curricular e o "Choque Tecnológico" Por Lucinda Santos

Público
Domingo, 13 de Fevereiro de 2005

O início do ano lectivo foi perturbado pela colocação tardia de milhares de professores. De acordo com alguns meios de comunicação social, um só homem (...) resolveu num ápice o problema da colocação de professores.

(...) Na 5 de Outubro, igualmente um só homem cortou e costurou a revisão curricular do ensino secundário, herdada do Governo PS, e concebeu a nova reforma curricular, que está a ser concretizada no corrente ano lectivo. Não foi um especialista de educação que desenvolveu o processo e a sua atitude autista levou-o a não considerar opiniões mais conhecedoras, o que conduziu a que as matrizes curriculares dos cursos, designadamente das áreas das ciências e da tecnologia, tenham saído muito desfasadas das reais necessidades da preparação dos jovens quer para a vida profissional, quer para o prosseguimento de estudos.

Como se compreende que o curso tecnológico de Ordenamento do Território e Ambiente, que visa formar técnicos do Ambiente, não inclua na matriz curricular nenhuma disciplina de Química? Como pode um aluno terminar um curso de Ciências e Tecnologias sem nunca ter tido Física e Química? O mesmo se passa com a Biologia e a Geologia. E pasme-se com a extinção de cursos como o tecnológico de Química e o de Mecânica!

(...) Como é possível que futuros técnicos das áreas da Electricidade, Electrónica, Construção Civil e Informática tenham no 10º ano de escolaridade três horas de Filosofia por semana e apenas 90 minutos de Física e Química? (...) A Física é uma disciplina científica estruturante para as disciplinas técnicas das áreas de Electricidade, Electrónica, Informática e Construção Civil. Esta reforma curricular tem subjacente uma concepção de cultura bafienta e retrógrada que não considera a ciência e as suas aplicações como parte da cultura da humanidade.

E que dizer do peso que se dá à Língua Estrangeira nos cursos tecnológicos do ensino recorrente? Numa era de globalização e mobilidade, em que os técnicos têm que contactar com especialistas de outros países, participar em cursos de formação no estrangeiro, actualizar-se, lendo materiais escritos noutro idioma (normalmente o inglês), como se justificam 90 minutos semanais da Língua Estrangeira"versus" 180 em Filosofia?

E tudo isto porque o Ministério da Educação resolveu instituir o exame de Filosofia como obrigatório para os alunos do ensino recorrente que pretendam prosseguir estudos. No entanto, não terá articulado esta sua decisão com as exigências do ensino superior, pois não parece credível que, por exemplo, o Instituto Superior Técnico exija o exame de Filosofia, em vez do exame de Física a um aluno de um curso tecnológico que queira seguir Engenharia.

Este desenho curricular não prepara os alunos nem para o prosseguimento de estudos, nem para o mercado do trabalho. Que vão fazer estes técnicos, no futuro, com este défice de competências científicas e técnicas? Recitar Kant quando colocados perante um problema técnico que não têm bases para resolver? (...)

O sr. Presidente da República há muito tem vindo a alertar para a necessidade de se investir fortemente na educação e investigação, nomeadamente nas áreas da ciência e tecnologia, para Portugal vencer o desafio do desenvolvimento económico e social. Infelizmente, o apelo do sr. Presidente da República não fez eco no Ministério da Educação.

Em período de campanha eleitoral todos os partidos inscrevem a educação/formação como uma área de actuação prioritária. O Partido Socialista preconiza até um "choque tecnológico". Contudo, não é com esta reforma curricular que vai dispor de técnicos para concretizar esse ambicioso projecto!

Lucinda Santos
Almada

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