Quioto "É Claramente Insuficiente" para Conter o Aquecimento Global
Público, Domingo, 13 de Fevereiro de 2005
O climatologista do Centro de Geofísica da Universidade de Lisboa não tem dúvidas: o clima, no futuro, vai ser diferente.
Temos é de fazer com que seja "toleravelmente diferente". E não basta o Protocolo de Quioto, que entra em vigor na próxima quarta-feira. Por Ricardo Garcia
Pedro Miranda é o principal autor dos cenários sobre o futuro climático de Portugal, integrados no projecto SIAM, no qual vários cientistas estudam os efeitos do aquecimento global no país. A poucos dias da entrada em vigor do Protocolo de Quioto - que obriga os Estados envolvidos a reduzir as suas emissões de gases com efeito de estufa - fala das variações do clima, de como o país está preparado para acompanhá-las e do que se pode esperar dos cenários de longo prazo.
As alterações climáticas em Portugal são já uma realidade?
A tendência da temperatura em Portugal é parecida com a da temperatura na média global, uma tendência de subida. Assim como a própria evolução lenta. Na média global, foi estimado que existiu um período de aquecimento até aos anos 40, depois houve um de arrefecimento até aos anos 70 e a partir de meados dessa década começou a actual tendência de aquecimento. E em Portugal estas variações funcionam muito bem. Nós estamos a aquecer a uma taxa que é parecida com a taxa média de aquecimento do mundo.
Estas variações não podem significar que estamos apenas a passar por um ciclo de aquecimento e não por uma alteração irreversível?
Aqui há dez anos, muitas pessoas diriam isso com convicção. Agora há um conjunto de factos que fazem suspeitar que isto não é verdade. Primeiro, a composição atmosférica não está a oscilar. A concentração, em particular de dióxido de carbono mas também de outros gases com efeito de estufa, tem crescido constantemente e não mostra nenhum sinal de diminuição.
Havendo este crescimento na concentração de gases com efeito de estufa, a consequência mais simples que podemos pensar é que o clima vai aquecer. Outro facto é o de que os últimos dez anos concentram praticamente todos os anos mais quentes do último século.
E isso não pode ser uma variação natural do clima?
Há estimativas que indicam que não houve nenhuma variação deste tipo nos últimos mil anos. Isto é um facto que, neste momento, é difícil de contestar.
É um exagero dizer que uma onda de calor como a do Verão de 2003 é um indicador das alterações climáticas?
É seguramente um exagero, a partir de um episódio, concluir imediatamente que estamos em fase de alterações climáticas. Mas quando nós temos muitos episódios em quinze anos seguidos, então começamos a pensar provavelmente que as alterações climáticas estão aí.
E para Portugal há alguma indicação neste sentido? Por exemplo, de que é maior a frequência de eventos meteorológicos extremos?
Penso que não existe um estudo muito claro em relação a isto. Há um sobre a evolução de indicadores de seca que parece indicar que as últimas décadas tiveram uma frequência de seca de Inverno mais alta. Em relação a cheias e tempestades, eu penso que não existe nada de muito credível neste momento para Portugal. Aliás, mesmo para o mundo existe alguma incerteza sobre isto.
É claro que há algumas ideias que podem ser consistentes com isto. Uma consequência possível do aquecimento global é que o ciclo da água se torna mais intenso num mundo mais quente. Se temos mais água na atmosfera, é provável que tenhamos mais tempestades. A água é aquilo que põe a máquina climática a andar.
O projecto SIAM aponta para importantes alterações climáticas no país. Que alterações são estas?
Os cenários de mudança global produzidos por qualquer modelo disponível neste momento indicam aquecimentos muito significativos nas próximas décadas, que, no caso da Península Ibérica, podem chegar a sete ou oito graus para a temperatura de Verão. No que se refere à precitipação, há sempre mais incerteza.
Mesmo na previsão do tempo para amanhã, é mais fácil prever a variação da temperatura do que prever a chuva que vai acontecer. Em geral, os modelos apontam para a redução da precipitação no Sul da Europa, não só em Portugal. O que os cenários propõem é um Inverno mais curto, com menos chuva na Primavera e no Outono, e menos precipitação total também.
Até que ponto se pode confiar nestes cenários? Esta é a principal crítica dos Estados Unidos...
O objectivo deste tipo de estudos não é tanto prever o que é que vai ser o clima no fim do século XX, mas é ver quais são os riscos que corremos, se não fizermos nada em relação à situação actual. Não podemos emitir gases com efeito de estufa sem limite. Temos de ter cuidado.
Provavelmente, o Governo americano só vai fazer alguma coisa quando os dados observados reais forem de tal forma drásticos que eles sintam que têm de fazer alguma coisa.
Qual é o aspecto mais sensível de adaptação de Portugal às alterações climáticas?
A variável mais importante nisto das alterações climáticas é provavelmente a água. O problema dos recursos hídricos em Portugal pode tornar-se muito complicado num cenário de aquecimento global.
Até que ponto o país está bem apetrechado para acompanhar a evolução do clima?
Em termos de monitorização climática, Portugal não está muito bem apetrechado. Houve um desinvestimento nas estruturas do Estado que fazem este acompanhamento, em particular no Instituto de Meteorologia.
O que falta? Equipamentos?
No caso do Instituto de Meteorologia, eu diria que o grande problema é a falta de pessoas. O Estado precisa de ter cientistas a trabalhar a tempo inteiro sobre este tipo de assuntos. E estes assuntos não devem ser tratados unicamente no contexto universitário.
Se o Protocolo de Quioto for cumprido, até que ponto vai ajudar no combate às alterações climáticas?
Em termos de emissões [de gases com efeito de estufa], o protocolo não vai resolver nenhum problema. Em termos políticos, é um sinal muito importante. O Protocolo de Quioto é só um primeiro passo; do ponto de vista técnico, é claramente insuficiente. Consoante aquilo que fizer e que outros protocolos que vão ter de vir a seguir a Quioto fizerem, nós vamos estabilizar [a concentração de gases com efeito de estufa] a níveis diferentes. Isto vai implicar climas diferentes.
Que o clima vai ser diferente no futuro é então um ponto pacífico?
O clima vai ser diferente. O objectivo das pessoas que se preocupam com isto é que ele seja toleravelmente diferente.
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