Todos Precisamos Sempre da Ciência, Hoje a Ciência Precisa de Nós
Por JOSÉ MARIANO GAGO
Público, Domingo, 15 de Agosto de 2004
situação da Ciência em Portugal é difícil. Serve este apelo para tentar, com a pouca força que sei ser a das ideias e dos argumentos, convencer e mobilizar, para que a situação melhore.
Há em todos os partidos políticos e fora deles pessoas responsáveis que querem o desenvolvimento do País. Peço-lhes apoio para uma política científica progressiva para Portugal. Este apelo não é contra ninguém e por isso espero sinceramente que possa suscitar a vontade honesta de entender os factos e os argumentos aqui brevemente expostos. O assunto é demasiado sério para outra qualquer atitude.
É necessário perceber que não exagero quando afirmo que a ciência em Portugal está em risco. O maior de todos os riscos: a partida dos mais novos, a desistência de muitos. Não pretendo assacar culpas, nem esclarecer por que razão pudemos regredir. Importa agora tentar corrigir, e fazer bem. Foram dois anos difíceis. Urge encerrá-los e virar a página.
Logo em 2002, a ciência não foi poupada a cortes orçamentais e a atrasos de pagamentos, nem a uma militância contra o que vinha de trás e a oposição de então aplaudia, pedindo tão só, é irónico lembrá-lo, mais meios: laboratórios associados, "Ciência Viva", reforma dos laboratórios de Estado, avaliação internacional independente, incentivos fiscais à actividade de investigação nas empresas, cooperação com organizações científicas internacionais.
Mas retirou-se autonomia financeira aos laboratórios públicos e parou-se a contratação de investigadores novos. Parte das contribuições devidas por Portugal a organismos científicos europeus deixou de ser paga, sem que se abrissem negociações para novas condições de pagamento. Dizem-me que este problema está a ser resolvido: ainda bem.
Foram atacados os laboratórios associados, quinze instituições científicas de base universitária de qualidade reconhecida internacionalmente, associadas ao Estado através de contratos de longo prazo. Alguns desses laboratórios viram-se sem financiamento durante ano e meio.
O orçamento de 2003 foi de baixa para a Ciência, como seria o de 2004. Mas anunciava-se prioridade à Ciência. Mais pobre, era-lhe dado o palco das ilusões modernas: "Já viu como está mais rica e mais bonita?"
A agência "Ciência Viva", organização não-governamental cujo trabalho pela promoção da cultura científica em Portugal é internacionalmente reconhecido, tem a responsabilidade do Pavilhão do Conhecimento, apoia a criação de Centros Ciência Viva em muitas regiões do País e promove um programa bem conseguido de acções de Verão para o grande público com envolvimento directo de centenas de cientistas (Astronomia, Biologia, Geologia, a partir deste ano Engenharia, no Verão). O seu esforço de promoção do ensino experimental das ciências nas escolas é bem conhecido. De 2002 para 2003 o orçamento do "Ciência Viva" foi amputado de 60 por cento. O ministro Lynce, todavia, soube emendar o erro inicial e repor para 2004 os níveis anteriores. Mas as verbas devidas não foram afinal transferidas, condenando o "Ciência Viva" a inaceitáveis dificuldades. Num raro exemplo de sectarismo leu-se mesmo "agência socialista perde poder"! Atacadas as Misericórdias escrever-se-á talvez: "agências monárquicas perdem poder", já que nascidas em distante reinado.
Entretanto, paralisava o financiamento público da ciência a pretexto de puritanismo processual.
Para denegrir um governo anterior há sempre quem se ofereça (também me vieram e ainda vêem oferecer material que fecho e ignoro). Logo se desencantaram "erros de procedimento na gestão de fundos" para a ciência: ora tais procedimentos tinham sido contratualizados entre Portugal e Bruxelas. Não havia erro algum. Mas aceitaram-se críticas erradas e uma burocracia má para a ciência e não se contestou eficazmente o que era, afinal, um ataque contra a ciência em Portugal. Neste verão de 2004, esperamos uma gestão de fundos que nos permita avançar e um poder político que lute pela simplificação administrativa, pela adequação das regras às actividades a financiar. Por que não pede o Governo ao Conselho dos Laboratórios Associados uma análise de gestão do POCTI (Programa Operacional para a Ciência e a Tecnologia) e apoio no contraditório com Bruxelas?
É urgente criar emprego científico novo. Mas pelo menos estabilizem-se de imediato os fluxos financeiros e cumpra-se sem delongas o contratado.
No final de 2003, alargava-se a oposição entre palavras e actos. Nas palavras: prioridade à investigação nas empresas. Nos actos: supressão do sistema de incentivos fiscais à actividade de I&D empresarial. Em Janeiro de 2004, criava-se um novo "sistema de crédito fiscal" com reduzidíssima aplicação para actividades de I&D. As nossas empresas mais inovadoras não lograram ainda inverter esta situação.
Já em 2004, tivemos o anúncio de Óbidos: o maior investimento de sempre na ciência. Infelizmente, sem realidade. O investimento para a Ciência previsto não vai crescer afinal quase nada: acrescenta-se por um lado o que se reduz por outro. Como reformar a estrutura da despesa pública para afectar mais recursos à ciência, à educação e à formação e à cultura, e menos a outras despesas? Esse é o problema a resolver.
São precisas mudanças. Pôr a gestão do POCTI ao serviço das necessidades reais, negociar eficazmente, corrigir regras e atitudes inadequadas e a "reprogramação" apressada do programa. Mandar parar de vez a perseguição contra o "Ciência Viva", os laboratórios associados, e tudo o que lembre a expansão científica de 1995 a 2002. Repor o regime de incentivos fiscais à I&D empresarial. Pagar as contribuições devidas aos organismos científicos internacionais.
Isto apenas, e é muito, mas é o mínimo, já nos permitiria respirar e congregarmos esforços para, ultrapassado este parêntesis infeliz, continuarmos a desenvolver, em conjunto e o melhor que soubermos, a ciência e a tecnologia em Portugal.
Ex-ministro da Ciência nos governos de António Guterres
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