Publico, Segunda-feira, 23 de Agosto de 2004
A política e os políticos dão-nos cada vez mais razões para pensarmos que a democracia vai nua. A nobre "arte de governar a cidade" resvala a olhos vistos para uma pobre encenação burlesca, carregada de discursos requentados, engenharias financeiras obscuras e aparições públicas, seja na televisão, em revistas cor-de-rosa ou em festas do patético "jet-set" nacional, onde as camadas de base facial e o catálogo de sorrisos jogam um papel crucial em detrimento da riqueza de ideias e projectos, bem como da honestidade intelectual.
Prova esmagadora desta evidência é a recente contratação de uma especialista em relações públicas, que pertencia ao quadro de uma revista cor-de-rosa, para "tratar das questões de imagem de Pedro Santana Lopes", como noticiava o PÚBLICO na edição de 18-08-04. Parco de ideias e de vocabulário, de discurso monótono e monocórdico, Pedro Santana Lopes tem, bem vistas as coisas, motivos de sobra para esta requisição. Uma modulação emocional do discurso aqui e ali, uma tantas aparições por semana empregando os sorrisos X e Y, uma revisão profunda do guarda-fatos, um ajustamento postural em público, um "lifting" ou outro, cabelo pintado como nos velhos tempos e temos homem. Não teremos nunca é primeiro-ministro, o líder, a referência intelectual, moral e humana de que o país realmente necessita, mergulhado que está num coma profundo, agitado, apenas, por algumas convulsões reflexas durante o Euro 2004.
Todos sabemos que um homem não resolve os problemas de um país, mas pode fazer a diferença. Como? Convocando as pessoas certas para os lugares certos, não os amigos, os amigalhaços, as amantes e os amantes, o primo, o sobrinho e a tia. Criando sinergias e dinâmicas na equipa executiva que contamine positivamente todos os poderes, todas as pessoas, que não semeie a desmotivação, o descontentamento e a indignação. Dando sinais inequívocos de competência e honestidade, bem como dando exemplos de justiça e probidade.
Sou professor há vinte anos, tenho uma licenciatura e um mestrado, daqui a três anos atinjo o topo da carreira docente e aufiro actualmente de um vencimento líquido de 1683 euros (nada mau, confessaria uma grossa percentagem de portugueses). Marta Guimarães, que "terá a seu cargo as questões de imagem" do primeiro-ministro, "receberá quase 3000 euros líquidos", de acordo com o vosso jornal. Depois digam que não percebem as razões das altas taxas de abstenção, dos baixos índices de produtividade e dos míseros níveis de motivação no trabalho. É difícil calar a indignação; é duro travar o descontentamento; é uma tarefa ciclópica manter a motivação perante a precariedade ética dos exemplos que nos chegam de cima.
A República virou-nos o cu, como diria o bom e calado povo.
João da Costa Magalhães
Leça da Palmeira
Tuesday, August 24, 2004
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