Público, Terça-feira, 24 de Agosto de 2004
Tem-se falado dos resultados patéticos obtidos pela maioria dos estudantes portugueses no ensino secundário. Uma professora universitária traçou, nas páginas deste jornal, um retrato terrível do aluno-tipo da faculdade onde lecciona, uma espécie de dejecto intelectual, sem qualquer interesse pelas actividades académicas. Como sou professor do ensino secundário sei bem do que fala essa senhora. É notória a progressiva degradação da qualidade dos nossos estudantes a cada ano que passa. Escrevem mal, falam pior, compreendem o mundo que nos rodeia com notória dificuldade mas, nos assuntos que os interessam, seja futebol, marcas e modas, consumo, telemóveis, etc., são capazes de alcançar "performances" bem interessantes. Há uma motivação desviada, por assim dizer, que leva a um tremendo desperdício de potencialidades.
É um facto que as nossas escolas têm produzido gerações de ignorantes em larga escala. Afinal de contas os cidadãos são um espelho perfeito da sociedade em que vivem. Se os alunos são tão maus, os pais e encarregados de educação não deverão ser muito melhores. Se as escolas são tão fracas, os organismos responsáveis por elas devem ser muito mais frouxos. Em última análise, se os resultados académicos da esmagadora maioria dos nossos estudantes são ridículos isso só mostra a verdadeira face de Portugal.
Na verdade, a maioria da população não se preocupa verdadeiramente com este estado de coisas. Os jornais diários de maior tiragem são os desportivos. Os programas de televisão preferidos são os mais cretinos. Os teatros são ocupados por personagens vindas das telenovelas e produzem-se espectáculos "leves" e "divertidos". Quantos serão capazes de referir os nomes de três artistas plásticos portugueses contemporâneos? Os locais de passeio preferidos por toda a família para um fim-de-semana perfeito são os "shopping centers". E por aí fora. Será isto preocupante? Só para quem quiser chatear-se.
O mundo está a mudar, os cidadãos estão a mudar, as coisas serão necessariamente diferentes, mas há questões básicas essenciais que importa acautelar. Cultura e educação são campos demasiado importantes para serem deixados nas mãos de merceeiros, mas é isso que temos feito, e continuando a fazê-lo, nunca conseguiremos pagar a factura.
Resumindo, os nossos estudantes não têm obtido resultados nada brilhantes, antes pelo contrário, mas o problema não é só deles nem das escolas que frequentam, é bem mais profundo. A maioria dos portugueses tem uma fraca formação académica, mas o pior é que não encara a possibilidade de a melhorar nem sequer percebe por que há-de preocupar-se com isso. Pior que não conseguir, é não querer aprender.
Se queremos que alguma coisa mude dentro de 30 anos é preciso começar a trabalhar já hoje com os nossos filhos. Vai sendo tempo de tirar as bandeirinhas das janelas e levar este país a sério.
Rui Silvares Carvalho
Cova da Piedade
Sunday, August 29, 2004
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