João César das Neves
DN, segunda feira, dia 20 de maio de 2004
Deve-se sempre chamar a atenção, sobretudo com novo governo, para o nosso horror educativo. Portugal tem muitos obstáculos ao desenvolvimento.
São tantos que por vezes se tem a sensação de que os progressos conseguidos são quase miraculosos.
Com a incompetência da regulamentação, a paralisia da burocracia, o peso dos impostos, o bloqueio do corporativismo, bem podemos desesperar. Depois, ninguém sabe bem como, o País até avança. Com dificuldade e distorções, mas avança. Só que isso nada tira à terrível responsabilidade dos que, de forma quase criminosa, destroem o desenvolvimento nacional.
Entre os obstáculos, não há nenhum mais destruidor e pernicioso que o sector educativo.
A Saúde derrapou nos custos, a Justiça entupiu, as Finanças enlouqueceram, mas a Educação, que tem mais influência ética, cultural, técnica e produtiva que todos, é o inverso do que devia ser.
Quem, sabendo das nossas necessidades socioeconómicas, olhe para o aparelho escolar fica com a sensação de que foi feito por um espírito malvado.
Tudo parece cientificamente estudado para funcionar mal, perversamente planeado para destruir o potencial da juventude e desviá-la para actividades inúteis ao desenvolvimento.
Pululam as denúncias e as reformas, mas as monstruosas aberrações continuam a acumular-se.
O problema começa logo na profusão de escolas superiores de educação. Dezenas de instituições lançam, todos os anos, no mercado uma multidão de candidatos a professores. O País tem uma necessidade desesperada de engenheiros, informáticos, técnicos de vários ofícios, mas em vez disso produz milhares de docentes.
É que ser professor é muito agradável. Eu até sei! Claro que aturar uma turma pode ser horrível, mas há compensações. O horário é leve e flexível e existem muitas férias, que ainda se aumentam com "paragens".
Além disso, os professores saem, para acções de formação, reuniões lectivas, etc.; e até podem, como os funcionários públicos, faltar quando querem, trocando por um dia de férias. Sem perder nada, de facto, porque as férias escolares são fixas.
Como a evolução demográfica há décadas reduz fortemente o número de jovens em idade escolar, existem já nos quadros públicos milhares de professores sem ensinar, simplesmente afastados de actividades úteis, privados de dar o seu contributo para o desenvolvimento. Este excesso constitui um enorme desperdício de pessoas válidas e inteligentes, um esbanjamento criminoso, num país com as nossas necessidades. O ministério, porém, apenas pensa em assegurar postos de trabalho, mesmo que seja para não fazer nada de aproveitável. A maneira mais fácil é multiplicar tarefas administrativas, simular actividades circum-escolares, multiplicar disciplinas especializadas. É isso que está a ser feito, há anos, mesmo que não se ensine nada de interesse.
Os programas dos 11.º e 12.º anos são disso prova evidente. Estão recheados de cadeiras que ensinam matérias delirantemente avançadas para esse grau de ensino. Quando chegarem à universidade, tudo terá de ser reaprendido e, se o aluno não for para lá, vai esquecer conhecimentos que, de facto, são supinamente desnecessários. Entretanto, os estudantes estão horrivelmente carenciados de capacidades elementares de português, matemática e outros domínios básicos. Mas andam a aprender psicossociologia da animação social, sistemas digitais e materiais e técnicas de expressão plástica, sem saber escrever ou calcular.
Uma das áreas com maior desenvolvimento nos últimos anos é a de Artes. Sendo uma das opções básicas e naturalmente atraente nessas idades, goza de grande incentivo por parte dos professores. Fugindo de matérias mais difíceis e confiada nas garantias dadas, uma parte muito significativa dos alunos portugueses escolhe esta orientação. Mas, para fazer o quê? Qual é o curso e, mais tarde, a profissão que vão encontrar os múltiplos estudantes de Artes? A principal saída da maioria desses jovens será a de serem professores liceais de Artes, criando mais iguais a si.
Noutras áreas, o problema é o inverso. Na medicina, por exemplo, a crise educativa embrulhou-se com a crise da Saúde. Controlado pela classe médica, a quem interessa a reduzida concorrência, há muito tempo que o sistema só permite o acesso nas faculdades de Medicina a alunos com médias astronómicas no secundário. A relação entre o grupo dos adolescentes "marrões" e o dos futuros adultos com vocação médica é evidentemente muito pequena, mas o sistema força essa conexão.
Assim estamos a construir um país onde uma enorme quantidade de excelentes médicos nunca o chegam a ser e entregamos a nossa saúde aos virtuosos dos testes liceais.
Há décadas que os responsáveis da Educação são a principal força destruidora do progresso português. Depois, ninguém sabe bem como, ainda há quem consiga, em Portugal, uma formação útil à sociedade. Mas também isso é quase miraculoso.
naohaalmocoagratis@vizzavi.pt
Monday, August 30, 2004
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