As dores da direita (1) por José Manuel Fernandes
Público, 30 de Março de 2005
O primeiro problema da direita é que em Portugal a cultura político-económica dominante é iliberal
Aquando da corrida à liderança do PS, o PÚBLICO desafiou os três candidatos a responderem a um inquérito político que ajudava a posicioná-los de acordo com dois eixos: mais à esquerda ou mais direita e mais autoritários ou mais libertários. Tratava-se de uma adaptação - literal - de um barómetro anglo-saxónico, The Political Compass, que os nossos leitores podem encontrar, e preencher, no nosso site na Internet, sob a designação "Bússola Política".
Sem surpresa, os três candidatos à liderança do PS surgiram colocados no quadrante da esquerda libertária. Mas os que decidiram fazer a experiência de preencher o questionário e testá-lo em conjunto com amigos tropeçaram frequentemente numa surpresa: todos ou quase todos, mesmo os que se tinham por apoiantes dos partidos de direita ou centro-direita, ficavam nesse mesmo quadrante. Aquele onde estão os que são mais estatistas do que liberais em termos económicos (o critério que permite separar nesse inquérito esquerda e direita) e os que, em termos de valores, estão mais distantes da moral tradicional e menos valorizam a autoridade do Estado.
Uma boa parte dos problemas que atormentam os que querem "refundar a direita" têm a ver com este, chamemos-lhe assim, "desvio esquerdista-libertário" da opinião dominante em Portugal. Pelo menos por comparação com o padrão de referência anglo-saxónico do Political Compass.
E começa por atormentar devido ao ambiente cultural dominante ser, no que à economia diz respeito, iliberal. A "bússola" tende a colocar os que defendem uma maior intervenção do Estado na economia, os que "desconfiam" da bondade intrínseca da economia de mercado, os que consideram que ter lucros é pecado e os que são avessos ao risco no tal lado esquerdo do quadro. Ora em Portugal não é preciso ser de esquerda para desconfiar do mercado e da economia liberal: há muita gente de direita que pensa da mesma maneira. Neste domínio a cultura política dominante tanto é uma herança da Revolução - época em que até o programa do então PPD advogava o "caminho para o socialismo" -, como do salazarismo corporativista.
Se a primeira parte desta afirmação não levanta dúvidas, muitos desconfiarão da segunda. Mas esses deviam, por exemplo, ler como se explicava, aos jovens de 15, 16 anos, numa disciplina que então se designava por "Organização Política e Administrativa da Nação", as virtudes do Estado Novo. No compêndio único em vigor podia ler-se, por exemplo, que "o fim do Estado é realizar a solidariedade social e, por isso, não pode ficar inerte em face de conflitos de interesse e de egoísmos pessoais"; que "os indivíduos devem gozar de liberdade e de livre iniciativa, mas as liberdades individuais devem subordinar-se, sempre, aos superiores interesses da colectividade"; ou que o Estado "deve intervir como coordenador de vida económica". Por isso a Constituição de 1933 - a obra-prima de Salazar - definia no seu artigo 6º, de acordo com a síntese do compêndio, como funções do Estado "coordenar, impulsionar e dirigir todas as actividades sociais, fazendo prevalecer uma justa harmonia de interesses, dentro da legítima subordinação dos particulares do geral" e "zelar pela melhoria das classes sociais mais desfavorecidas".
Por comparação, o livrinho condenava os Estados liberais, pois estes acreditavam que "o equilíbrio social resultaria do simples jogo da liberdade e da livre concorrência". "Da excessiva liberdade resultaram as mais flagrantes desigualdades económicas e as maiores injustiças sociais." José Manuel Fernandes
(continua amanhã)
Thursday, March 31, 2005
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