Tuesday, October 30, 2007

Os pobres são menos inteligentes do que os ricos?

Pingue-pongue

Os pobres são menos inteligentes do que os ricos?

Helena Matos

Público, 29 de Outubro de 2007

Em que escola
estavas quando foi
o 25 de Abril? Em
que escola estão
os teus fi lhos?”
À célebre pergunta “Onde é que
estavas no 25 de Abril?” é imperioso
que se juntem agora estas duas
interrogações. Experimente-se por
exemplo fazer estas perguntas aos
ministros, deputados, autarcas,
assessores, artistas, professores...
e descobrir-se-á que a maior parte
deles frequentou o ensino público,
mas optou pelo ensino privado na
hora de inscrever os seus fi lhos
e netos na escola. Não porque os
seus fi lhos sejam mais ou menos
inteligentes, mas simplesmente
porque têm medo que a falta de
exigência os embruteça.
Duvido que algum destes
hipotéticos inquiridos o assumisse
claramente. Dariam como
justifi cação os horários, os amigos,
às vezes até os piolhos, mas o que
difi cilmente diriam é que o fazem,
porque não acreditam na qualidade
do ensino público. Muitos
provavelmente serão ofi cialmente a
favor do novo Estatuto do Aluno, tal
como foram da afectação de tempos
lectivos a “coisas” como a Área
de Projecto ou da desautorização
dos professores e funcionários. Na
prática isso não os afecta, porque
os seus fi lhos e os seus netos estão a
salvo destes desmandos. O falhanço
do ensino público em Portugal
tornou-se uma ratoeira contra os
mais pobres: pobreza e o insucesso
escolar tornaram-se sinónimos.
E assim continuaremos, para que
ninguém preste contas por aquilo
que começou por ser um erro e se
está a transformar num crime.
Ao contrário do que se
tornou quase banal dizer,
não foi a massifi cação
do ensino público que
comprometeu a sua
qualidade. Os responsáveis por
aquilo que os rankings cruamente
espelham foram aqueles que
fi zeram da escola pública um
espaço de experiências sociológicas.
Passamos a vida a discutir os
programas, mas um mau programa
ainda é um programa. O pior foi
baixar em cada ano lectivo o nível
da exigência. Primeiro, porque era
mais moderno. Depois, porque
assim não se faziam distinções entre
mais e menos inteligentes. Depois,
porque o objectivo da escola não era
ensinar conteúdos, mas sim ensinar
a relacionar-se. Depois porque já
não podia ser doutro modo.
Os fi lhos dos pobres não são nem
mais nem menos inteligentes que
os fi lhos dos ricos. Tiveram sim foi o
azar de os seus pais não ganharem
o sufi ciente para os poupar a esse
papel de cobaias de teorias que
tanto vêem na ignorância o estado
supremo da perfeição igualitária,
como entendem que aprender
tem de ser divertido e fácil. Nada
disto afecta quem legisla, porque
os seus fi lhos não estão nas escolas
públicas ou quando estão souberam
contornar o crivo das moradas e
horários, de modo a frequentarem
as turmas ditas “dos fi lhos dos
professores”. Quem não pode fugir
das más escolas é quem não tem
dinheiro nem conhecimentos.
Alguns como Francisco Louçã
querem agora diabolizar os
rankings, vislumbrando apoios da
extrema-direita aos colégios que se
encontram nos primeiros lugares.
Engana-se redondamente. Quem
fez a fortuna recente das escolas
de maristas, jesuítas e da Opus Dei,
dos colégios franceses, ingleses
e modernos, sem esquecer as
escolas alemãs e americanas, foram
precisamente aqueles – às vezes de
esquerda mas nem sempre – que
resolveram que a escola pública não
era o local onde todos tinham igual
oportunidade de aprender, mas
sim o espaço onde a irrelevância
medíocre dos resultados provaria
que todos podemos ser igualmente
ignorantes e irresponsáveis.

No comments: