Examinem os examinadores II, Público, 07.10.07
Não consigo deixar de refl ectir
sobre a crónica [de Rui Cardoso
Martins]. Já a li e reli várias vezes
e conclui que não posso deixar
de lhe escrever. O seu “caso”
ocorreu com a sua sobrinha, no
exame do 9º ano. O meu “caso”
ocorreu com as minhas fi lhas (são
gémeas), e no 2º ano da primária.
Uma das minhas fi lhas nunca se
adaptou muito bem à professora e
durante toda a primeira classe falei
com a professora relativamente
à difi culdade em “motivá-la”.
Não tinha parâmetros para
comparação e achei que tudo era
normal e inclusivé a professora
convenceu-me que o problema
estava na minha fi lha. No entanto,
com a 2º classe, a professora
vai de baixa por maternidade,
vem outra substituí-la e os meus
horizontes alargaram-se. O meu
tormento começou quando
a professora inicial voltou e
a motivação da minha fi lha
derrapou completamente (a
partir daqui ambas entraram em
desmotivação). Por mais que eu
insistisse com a professora na
problemática da motivação, entrei
em estado de choque quando
a professora me respondeu
textualmente “não estou aqui para
motivar, mas sim para ensinar!”
A partir daqui tudo descarrilou:
não sei em que parte do curso
dessa professora esqueceram de
lhe ensinar que não se consegue
ensinar crianças desmotivadas.
E começaram as vergastadas às
minhas fi lhas: na composição
sobre um passeio que fi zeram,
lá veio o texto da minha fi lha
sublinhado a vermelho pois
escreveu que foi apanhar ouro
com o pai ao rio (passeio que
efectivamente aconteceu pois
o pai dedica-se a actividades
“outdoor”), na composição sobre
a Carochinha, lá apareceram os
textos sublinhados a vermelho
porque escreveram a versão da
história que têm em casa, da Luísa
Ducla Soares, que é em rima,
a carochinha esquece o colar,
aparece um rei no fi nal que salva
o João Ratão e há baile no salão.
Se a professora não conhecia a
história o mínimo que eu pedia
era que perguntasse às crianças a
razão porque tinham uma versão
conjunta tão diferente das dos
colegas e elas teriam explicado,
pois é um dos livros predilectos
delas. Com medo da professora a
minha fi lha apagou a festa no salão
e escreveu secamente “e o João
Ratão morreu”!
Fui obrigada a tomar a decisão
de as mudar de escola, apesar de
gostar de quase tudo nessa escola.
Mas como acredito que os pilares
de um projecto escolar assentam
na relação professor/aluno, não
tive alternativa. Foi uma das
decisões mais difíceis que tomei,
e retorno ao seu texto com as suas
interrogações: Quantas “crianças”
são aniquiladas por esta gente?
Quantos têm quem lhes diga que o
único problema é exactamente o
seu professor?
E introduzo uma pergunta aos
pais: quantos têm a coragem de
decidir, mesmo com sofrimento,
em prol dos seus fi lhos? Quantos,
por comodismo, fazem de conta
que não estão a ver o problema?
Quantos em nome de uma falsa
“estabilidade” calam-se e esperam
pacientemente que o tempo passe
e os problemas sejam esquecidos?
Com um senão... os problemas
deixam marcas para sempre e a
criança de hoje, torna-se o adulto
de amanhã, sem amor próprio,
sem auto-estima, incapaz de se
defender.
Ao autor da crónica, os meus mais
sentidos parabéns, pois reforçou
a minha convicção de que vale
a pena lutar por aquilo em que
acreditamos.
Inês Catalão (por e-mail)
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