O ENSINO DA MATEMÁTICA
escritor
O meu último contacto escolar com a matemática, hélas!, ocorreu nos idos de 1957, altura em que concluí o então denominado 5.º ano do liceu. Não tenho pois qualquer autoridade para me pronunciar sobre a matéria dos programas de Matemática em vigor nas nossas escolas.
Mas acabo de ler o parecer da Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM) sobre o documento colocado à discussão pública para reajustamento do Programa de Matemática do Ensino Básico de 1 de Julho de 2007 (http/www.spm.pt /files/Microsoft%20Word%20-%20ParecerSPM %20ReajustBasicoOut2007_Imprensa%5b1%5 d.pdf). E dele extraio alguns pontos que parecem altamente preocupantes, com o único objectivo de chamar a atenção para esse conjunto de problemas.
A SPM começa por estranhar o facto de não existir nenhum matemático entre os três principais responsáveis e autores do documento em discussão que são pessoas de Educação Matemática. E também observa que entre esses três autores nenhum foi crítico das orientações seguidas nos últimos anos.
Aponta a fonte potencial de confusões que consistirá na existência de três documentos legais orientadores do Ensino Básico da Matemática: o Programa de 1991, o Currículo Nacional de 2001 e este Reajustamento, se vier a ser aprovado, com tudo o que esta sobreposição acarretará de confusões. Põe também em relevo que o documento proposto não clarifica confusões e não corrige os erros dos textos anteriores.
Critica a ausência de coordenação com outras disciplinas: "Há problemas, por exemplo, com a Física, onde as equações literais são trabalhadas antes de serem abordadas com a Matemática."
Afirma que o documento em discussão não corrige os erros que consistem: na subalternização dos conteúdos curriculares; no desprezo pela memorização e aquisição de rotinas; na consideração dessas rotinas e automatismos como obstáculos ao desenvolvimento do raciocínio e à compreensão dos conceitos; na consideração dogmática do ensino em contexto como processo único de aprendizagem, esquecendo a necessidade de treinos específicos, nomeadamente de algoritmos e regras algébricas. Estes erros são, até, prolongados, segundo a SPM.
Mas há mais. Não se verifica uma reorientação do ensino para conteúdos explícitos e para capacidades verificáveis. Continua a sobrevalorizar-se a máquina de calcular, em termos que vêm desde 1991, sendo certo que a SPM entende "que a calculadora pode e deve desempenhar algum papel no ensino, embora apenas muito ocasionalmente nos primeiros anos do Ensino Básico", não devendo ser indiscriminadamente usada pelo aluno.
A própria bibliografia indicada inclui "um número inusitado de referências orientadas por uma corrente dogmática de educação que é, em grande parte, responsável por muitos erros pedagógicos praticados em Portugal e noutros países". Para a SPM, "as finalidades, os objectivos centrais, as capacidades transversais e as orientações metodológicas que o documento apresenta não são claros, não estão claramente hierarquizados nem ajudam os professores a orientar-se na prática lectiva".
Parecem ser equívocas as recomendações referentes a algoritmos e à prática do cálculo mental. Um exemplo dado, fala por si: recomenda-se que os alunos pratiquem a soma "3+4" em etapas: "3+4=3+3+1=7", quando seria mais fácil ensinar aos alunos que "3+4=7"..., tendo como resultado que, com esta insistência se prolongam as deficiências de cálculo e se prejudicam os automatismos.
Insiste-se demasiado na chamada pedagogia não directiva. Fala-se em discutir com os alunos, ou em propor-lhes, noções como as de "variável", "constante", coeficiente", "raiz quadrada", em vez de se falar em indicar, mostrar ou ensinar.
O programa não inclui objectivos exigentes e o documento do projecto de reajustamento em discussão é "pouco útil e eivado de erros de orientação pedagógica", não constituindo um progresso nem a melhoria necessária.
Repito que não me assiste qualquer competência para entrar nestas matérias. Utilizo este meu espaço semanal no DN para chamar a atenção de um público mais alargado quanto a um conjunto de problemas muito sérios e de cuja solução satisfatória depende o êxito do ensino de uma disciplina em que o aproveitamento escolar tem andado pelas ruas da amargura. |
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Os críticos do ensino da Matemática
Na sua coluna de opinião sobre o ensino da Matemática, Vasco Graça Moura, embora indicando a sua falta de competência para falar do assunto, retoma várias das afirmações críticas sobre a proposta de reajustamento dos programas do ensino básico contidas no parecer elaborado pela Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM).
Na verdade, o documento de reajustamento dos programas de Matemática posto à discussão recebeu muitas dezenas de pareceres emitidos por outras entidades, como a Sociedade Portuguesa de Estatística, a Associação de Professores de Matemática, editoras, escolas, professores, matemáticos e especialistas. Alguns destes pareceres, num ou noutro ponto, manifestam preferência por opções distintas das que tomámos, mas reconhecem a qualidade da proposta. A generalidade dos pareceres é favorável, apontando, naturalmente, condicionantes a ter em conta e aspectos a alterar, e estão a ser neste momento cuidadosamente estudados pelo grupo de autores do programa.
O parecer da SPM é um caso à parte. Trata-se de um documento mal elaborado que não fundamenta o que diz. Este parecer contém incorrecções factuais, que levaram a própria sociedade a enviar uma segunda versão, e traz três anexos, dois dos quais não são mais do que versões truncadas de pareceres que nos foram enviados por outras entidades (e de onde foi cortado tudo o que essas entidades diziam de positivo sobre a proposta). Se estamos empenhados em dar contributos positivos para a melhoria do ensino da Matemática, temos de reconhecer que a SPM elaborou um parecer descuidado e infeliz.
A equipa que está a elaborar o programa, para além dos dois responsáveis convidados pela Ministra da Educação, contém dois matemáticos, três professores (um de cada ciclo), e dois especialistas em Didáctica da Matemática. Esta equipa tem trabalhado de modo intensivo e em grande sintonia. Afirmações como a que existem três principais, são perfeitamente gratuitas e subjectivas e só visam levar a discussão para o campo dos ataques pessoais.
Afirmações como as que Vasco Graça Moura refere, de que se fala "em discutir com os alunos noções como as de 'variável', 'constante', 'coeficiente', 'raiz quadrada'", pura e simplesmente não existem nesses termos no documento. Nenhum dos diversos pareceres elaborados por matemáticos ou grupos de matemáticos, incluindo um muito detalhado que nos foi enviado pelo Departamento de Matemática da FCUL, faz referência a modos incorrectos de introdução desses conceitos. Também não é verdade que a proposta de programa defenda que a calculadora deva ser "indiscriminadamente" usada pelo aluno. Pelo contrário, defende-se que o seu uso deve ser feito com critério, em situações bem definidas, visando capacitar o aluno para tirar o melhor partido deste instrumento de trabalho. Nesses pontos, como em muitos outros, o parecer da SPM limita-se a interpretar à sua maneira e a deturpar o que diz o documento, numa flagrante manifestação de falta de rigor.
Os problemas do ensino da Matemática são muitos, são graves e arrastam-se desde há muito tempo. Não se resolvem de forma simplista, proibindo o uso da calculadora, introduzindo exames, reprovando os alunos a eito. Só se podem resolver com uma estratégia positiva, que envolva professores, encarregados de educação, formadores de professores e matemáticos num esforço conjunto e concertado como o que está a ser empreendido por esta equipa.
João Pedro da Ponte, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
Lurdes Serrazina, Escola Superior de Educação de Lisboa
Ana Breda, Departamento de Matemática, Universidade de Aveiro
Maria Eugénia Graça Martins, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
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