Telemóveis na sala de aula
Bernardo Moura - 20080410 Público
Haverá razão para fazer uma distinção tão categórica entre o telemóvel e tudo o resto que nos pode distrair Com frequência e quase com unanimidade, tem-se assistido nas últimas semanas à defesa da proibição de entrada dos telemóveis na sala de aula. É um fenómeno interessante e revelador de várias latências.
Em primeiro lugar, os motivos para ter de deixar o telemóvel no cacifo ou bem desligado no fundo da mochila. Os telemóveis são, de facto, instrumentos de distracção, que possibilitam, aliás, várias escolhas para o alheamento (SMS, jogos, música, etc.). Sim, são potencialmente o objecto mais recreativo que transportamos no dia-a-dia. Mas será razão para fazer uma distinção tão categórica relativamente a tudo o resto que nos pode distrair numa sala de aula? Não se distraem e sempre distraíram os alunos com tudo e mais alguma coisa, nem que seja o/a colega giríssimo/a da carteira ao lado? A chave para a distracção está no próprio aluno e naquele que tem como função cativar o seu interesse: o professor. O tratamento diferencial dado ao telemóvel (e não só, como veremos) parece-me estar provavelmente relacionado com algo menos óbvio: o próprio ódio que temos à tecnologia.
Desde sempre o ser humano desenvolveu tecnologias que simultaneamente participam também na nossa própria construção e assim sucessivamente. O homem e a máquina são duas entidades que rivalizam e travam um duelo. Os telemóveis, criação recente, são uma das incorporações tecnológicas mais poderosas. Não podemos passar sem eles, mas no fundo detestamo-los. Exemplificando, não será a autocrítica gerada pelos estudos que mostram que somos dos países da Europa com mais telemóveis per capita um sinal desse ódio?
Nas escolas, foi encontrado um campo seguro para fazer a discriminação deste objecto tecnológico. Porquê nas escolas? Porque o ambiente escolar e a pedagogia são terrenos elevados ao patamar do sagrado.
A educação e as maneiras como ela é transmitida é dos mecanismos mais conservadoramente preservados nas sociedades. É pela educação que moldamos a sociedade futura, portanto quando definimos como e o que ensinar estamos a fazer a projecção das nossas expectativas mais profundas sobre a humanidade. E essas ideias são emanadas da nossa autocrítica, da avaliação que fazemos dos nossos pecados sociais e vícios, sendo, portanto, um terreno fértil para que cresça um certo puritanismo.
As ideias tal como aparecem nos livros de escola vêm limpas, translúcidas e por isso tantas vezes tão enganadoras. Assim, é deste ambiente asséptico proclamado pela pedagogia que vem a nossa motivação para reprimir a tecnologia nas salas de aula. É na escola, esse bastião da Humanidade, que vamos trucidar livremente esses pequenos objectos digitais para assim desprendermos as nossas energias reprimidas. É onde ainda sonhamos com uma sociedade regenerada, livre de sacrilégios, da qual nos orgulhamos. Podemos também olhar para outros aparelhos. Quanto tempo demorou o computador a entrar com expressão nas escolas? Muito. Nas salas de aula ainda não entrou verdadeiramente. Nas escolas, a Internet é considerada, ainda que muitas vezes inconscientemente, uma invenção malévola, o instrumento que possibilita a cópia mais rápida e mais perfeita aos alunos, corrompendo-os. Não é de admirar que no en-
sino superior, onde há uma aproximação bastante mais livre à pedagogia, as máquinas tecnológicas tenham proliferado cedo.
A velocidade com que a nova sociedade tecnológica da informação vai crescendo e a mudança que provoca no modo de pensar e agir das novas gerações contrasta com o paradigma conservador da pedagogia. São precisas mudanças fundamentais que criem uma dinâmica mais arrojada no sistema de ensino. Para isso teremos de repensar as nossas concepções mais profundas sobre a sociedade que desejamos. Será que o nosso orgulho o permitirá? Estudante
Friday, April 11, 2008
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
No comments:
Post a Comment