Para onde vai o trabalho humano João Fraga de Oliveira - 20080412 Público Parte do trabalho "desaparece" no interior das empresas, através do trabalho clandestino e estágios não remunerados Elísio Estanque perguntava neste jornal, no dia 2 de Fevereiro: "O que está a mudar no trabalho humano?" E respondia, identificando e caracterizando as principais mudanças que se vêm a verificar no mundo do trabalho, bem como as consequências mais relevantes dessas mudanças, do ponto de vista económico, social e humano. Reflectindo sobre esse excelente artigo, coloco-me a mim próprio a pertinência de outra pergunta que considero intimamente relacionada com a formulada por Elísio Estanque e que, aliás, há 50 anos, foi já expressa, por Georges Friedman: para onde vai o trabalho humano? Para onde vai o trabalho que tantos procuram (re)encontrar e que tanto desaparece? Vai, é certo, para o exterior. Para o exterior do país e da própria União Europeia, por exemplo, através das "deslocalizações da produção" (estão na ordem do dia os recentes despedimentos colectivos nas empresas Delphi e Yazaki Saltano), para países de outros continentes, ou, por uma forma mais individualizada, através do teletrabalho intercontinental. Mas vai também para o interior. Para o interior da União Europeia, através da emigração (que, em Portugal, tem vindo, de novo, a crescer) e do destacamento de trabalhadores (como tem sido o caso da construção civil). Para o interior do país, através das cadeias de sub (sub, sub...) contratação e trabalho temporário, em que, clandestinamente, muito trabalho "desaparece". Para o interior das empresas (e da própria administração pública), onde "desaparece" através do trabalho clandestino (sobretudo, o suplementar, para além do horário de trabalho), dos "estágios" não remunerados (de que já há descaradas ofertas nos jornais), dos falsos "recibos verdes", dos biscates, etc. Mas o que é, talvez, mais perverso é que esse trabalho que "desaparece", afinal, vai também, através da sua (sobre)intensificação e degradação das condições em que é exercido, para o interior das pessoas. Desde logo, porque, quando há rescisões ou cessações do contrato de trabalho, os trabalhadores vêm para o "exterior" (para o desemprego, para a reforma ou para a aposentação) mas, no "interior" das organizações des/empregadoras - não sendo, em regra, esses trabalhadores substituídos oportunamente -, o trabalho, realmente, fica lá todo. Só que "desaparece", para o "interior" dos trabalhadores que restaram, os quais, muitas vezes, em decurso de uma (des)organização de trabalho e de modelos de gestão em que impera a "competitividade" a todo o custo (incluindo o da condição humana), o têm que passar a realizar em condições de (sobre)intensificação física ou mental. Depois, porque essa sobreintensificação do trabalho é, em muito, fomentada e alimentada pelo desemprego (como instrumento de chantagem e de amedrontamento) que "está cá fora" e, "lá dentro", pela condição de precariedade (à qual, sendo uma espécie de subemprego, corresponde, em regra, sobretrabalho) em que esses trabalhadores frequentemente estão. Desta forma, o trabalho "desaparece" para o "interior" (para o âmago) das pessoas (e das suas famílias), no sentido, dramático, das nefastas consequências que tal implica, do ponto de vista de saúde física e mental e condição social, de que são exemplos, como associados à sobrecarga física ou psicológica relacionada com o trabalho, o crescimento epidemiológico das doenças e lesões músculo-esqueléticas, o stress, o burnout, o assédio moral, a violência, o suicídio, mesmo. Enganam-se, julgo eu, os teóricos do "fim do trabalho" através da robotização e da automatização, partindo de um conceito mecanicista do trabalho e das "profundas mudanças" tecnológicas e gestionárias que estão em curso. É que, julgo eu ainda, o trabalho, mais do que um conceito abstracto (jurídico, sociológico, filosófico, etc.) ou técnico-tecnológico, é um conceito essencialmente humano e, consequentemente, social. O trabalho, realmente, consubstancia-se nas pessoas que trabalham. É por isso que, quando o trabalho aparece, é essencialmente das pessoas que trabalham que ele "vem". E, também, quando ele "desaparece", em última análise e em todos os sentidos, é também para as pessoas que trabalha(ra)m que o trabalho "vai". Ainda que não sejam estas as que com ele lucram. Licenciado em Gestão de Recursos Humanos e Psicologia do Trabalho e funcionário público. |
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