Monday, December 24, 2007

Um balanço em três tópicos

Público 24 Dez 2007

Santana Castilho

No final dos anos fazem-se balanços. Três tópicos
chegam para reprovar 2007:

1. Contrariamente ao discurso politicamente
correcto, importa referir que o investimento
em educação, medido pela percentagem relativamente
ao que produzimos, interessa pouco como
indicador. Porque 10 por cento de 100 é 10, mas cinco por
cento de 600 é 30. Ou seja, um país que gaste percentualmente
metade de outro, mas que tenha um PIB seis vezes
superior, investe, em valor absoluto, três vezes mais. E é
isso que conta. Porque os preços dos materiais escolares
em Lisboa ou em Estocolmo não têm diferenças relevantes,
em valor absoluto. Assim, sublinhe-se que aquilo que
o nosso Estado gasta, em média, por aluno, em todos os
níveis de ensino, é menos do que o gasto médio respectivo
de todos os países da OCDE. Particularizando, no ensino
superior, Portugal tem um gasto médio de 7700 dólares
americanos, contra os 16.200 da Suécia ou os 22.400 dos
Estados Unidos da América. Por outro lado, em dois anos
de Governo PS, os gastos com a educação decresceram
em Portugal. Mas, em igual período, cresceram na OCDE.
Do mesmo passo, é surpreendente verifi car que na União
Europeia a 27 países a média dos gastos destinados à defesa
representa 1,7 por cento do PIB. Mas em Portugal é 2,3
por cento. Mais ainda: segundo o PNUD (Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento), Portugal pertence,
signifi cativamente, ao grupo dos três países em que tais
despesas cresceram, contra 19 outros que as reduziram e
três que as mantiveram. Ou seja: o nosso esforço privilegia
a guerra em detrimento da educação. No Orçamento de
Estado de 2007, os gastos com a defesa cresceram 2,5 por
cento. Mas o dinheiro consignado ao Ministério da Ciência,
Tecnologia e Ensino Superior sofreu um corte de 8,2
por cento. Se considerarmos apenas o ensino, apartada a
ciência, esse corte ascende a 14 por cento. No orçamento
para 2008 as despesas destinadas à defesa crescem 8,5
por cento. Mas o dinheiro destinado ao ensino superior
encolhe cinco por cento. E note-se que, considerado o
intervalo 2005-2007, registou-se um aumento de 17.000
alunos, o que amplia, naturalmente, a dimensão do corte.
Estes números são indesmentíveis e a sua expressão tem
um signifi cado incontrolável: a prioridade à educação
fi cou-se pela demagogia do discurso eleitoral de 2005. A
paixão de Guterres aproximou a percentagem dos gastos
com a educação aos seis por cento do PIB. A prioridade
de Sócrates emagreceu-a para 3,5.

2. No último debate parlamentar discutiu-se a ridícula
paternidade dum diploma e pintou-se a realidade com a
demagogia doutros números, os dos êxitos estatísticos:
mais alunos no sistema, mais sucesso escolar, mais oportunidades
novas para todos. O entusiasmo esganiçado do
primeiro-ministro recordou-me a alegoria de Churchill
sobre o êxito: não é mais que ir de fracasso em fracasso,
mantendo intacto o entusiasmo. O país não melhora
chamando profi ssional a um ensino de papel e lápis, sem
ofi cinas nem laboratórios, diminuindo exigências ao nível
da fraude, diplomando o analfabetismo. Um país que diz
aos seus adultos que chegou a altura de ter “a escolaridade
obrigatória sem frequentar a escola”, aos seus jovens que
podem nem sequer lá pôr os pés que não reprovam por
isso e que organiza cursos de formação de jogadores de
futebol com garantia de equivalência a diplomas escolares,
deve pensar seriamente em reabrir a Universidade Independente.
Os governantes futuros precisam dela.

3. Durante anos, o país fez um esforço para especializar
professores do chamado ensino especial. Apoiavam cegos,
surdos, mudos, defi cientes mentais. A “racionalização”
de recursos substituiu os destacamentos por um quadro.
Mas o quadro fi cou-se pela metade das necessidades. Os
especialistas desempregaram-se ou voltaram ao trivial. Os
que não tinham horários nas escolas e nunca viram uma
criança defi ciente substituíram-nos. Alunos e professores
aguentam a violação em nome do défi ce. Os violadores
vão continuar a promover este desenvolvimento. Professor
do ensino superior

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