Thursday, November 15, 2007

Ser bom é saber que se falha...

Director: José Leite Pereira
Directores Adjuntos: Alfredo Leite e David Pontes

Quinta-feira, 15 de Novembro de 2007

Ser bom é saber que se falha...
Ivete Carneiro

Certo dia, agarrou numas tintas e num funcionário da escola e resolveu também "borrar" paredes. As retretes, então, eram uma desgraça. Era preciso perceber "os sinais de rebelião". E distinguir a arte do vandalismo. "Havia tipos que eram grandes artistas nisso..." Entre deixar sujos os muros das malditas casas de banho da José Estêvão ou procurar entender os desenhos e, por que não, ensinar Matemática através deles, Arsélio Martins escolheu a segunda via. "Mas valia borrá-los também um bocado!"

É deste tipo de atitudes perante o ensino que se faz um bom professor? O melhor do ano? Arsélio Martins ri-se com vontade enquanto se debate com as últimas migalhas da castanha apanhada à pressa do magusto tardio promovido por aquela escola de Aveiro. É o vencedor do Prémio Nacional de Professores e acredita que a expressão gráfica dos alunos é uma fonte de informação tão boa como outra qualquer para lidar com eles.

Teimosia e paciência

Um bom professor é aquele que não tem problema em dizer que "a vida é feita de falhanços e de acertos". Um teimoso que precisa de tempo para remendar o que não funcionou e paciência para perceber quando é que os alunos aprendem. Por isso é que defendeu sempre, até na definição de programas de Matemática que ajudou a fazer, que um docente deve acompanhar durante anos os mesmos alunos. "Para saber se deu resultado".

E os dele são bons nesse papão nacional que é o mundo dos números e das equações? Sim, não, talvez. "Demoro um tempo danado para eles perceberem o que eu digo e eu perceber o que eles dizem. O que tenho conseguido é que não estejam contra a Matemática por meu intermédio".

Alguns são brilhantes nas aulas e espalham-se nos exames, outros parecem precisamente o contrário. O que vale é que as notas são dadas tendo em conta o percurso. E a média da sua turma de 12º do ano passado? "Não me lembro!"

"Arsélio forever!" O grito de guerra é lançado por um puto que nem teve ainda a sorte de levar com Arsélio, enquanto as mãos se entretêm com um autocolantes dos milhares que pintalgam a escola. O retrato do professor do ano, o regozijo da escola, "Estamos muito contentes". Um cartaz enorme no antigo portão principal do edifício é completado pela homenagem escrita no átrio. "A tua escola sente-se naturalmente prestigiada e agradecida. Obrigado Arsélio!"

Muita tralha na bagagem

Tem a cara mais multiplicada pelo espaço público do que quando se candidatou pelo Bloco de Esquerda à Assembleia Municipal de Aveiro. Mais gargalhadas e uma sapatada no ombro. "Sou um tipo que tem muita tralha pública acumulada, era natural". O prémio. Ex-dirigente estudantil, sindicalista, autor de programas, membro de comissões no Ministério da Educação e autor de "muitos disparates" escritos sobre Matemática, educação e política, Arsélio diz que não foi o Governo que o premiou.

"Foi a minha escola", que enviou a candidatura , e "um júri nacional". E o que deve ter custado ao primeiro-ministro e à ministra da Educação galardoar o homem que não se coíbe de dizer o que pensa pondo os nomes aos bois e de abandonar uma comissão do plano de acção para a Matemática por discordar do défice democrático de quem gere os destinos da educação.

Mas nada que se pareça com o antigamente, altura em que era "um jovem muito estúpido" que não soube dar valor aos docentes que sobraram da "limpeza à inteligência nacional" feita por Salazar. "Recupera-se melhor uma cidade bombardeada do que uma sociedade sem escola" após anos de uma "guerra" a que os livros chamam de ditadura.

"Ó pá! Estou há meia hora para te dar um abraço". Mais um dos muitos que lhe têm atrapalhado a atenção às aulas. Chatice. "Ó Stor, quero um autógrafo!" Encolhe os pequenos ombros, atira as cascas de castanha para o jardim e ajeita a velha sacola ao ombro. Está satisfeito e assume-se egoísta intitula-se "velhote" aos 59 anos, para ser "desculpado". "Não sou muito formal e ser velhote pode ajudar-me. Gera compreensão nas pessoas!!!"

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