"Quando perco um aluno é uma desgraça completa"
Quando chegou a Vialonga, em 1994, Armandina Soares lembra-se de ter encontrado uma escola "pobre, violenta, em degradação completa". A notícia de colocação naquela escola, numa zona problemática de Vila Franca de Xira, era para muitos professores "uma desgraça", tal a fama. "Poucos lá queriam continuar, mas eu quis."
Lançou mãos à obra para mudar a imagem e as condições de uma escola que tem miúdos de famílias desestruturadas, sem condições económicas ou que mal falam português. Candidatou-se à direcção em 1998 e é à frente do conselho executivo que se tem desdobrado em projectos.
Com persistência e determinação, conseguiu estabilizar o corpo docente e hoje diz que "é difícil encontrar um professor que não se envolva na escola". "Cá dentro não há desmotivação."
Foram estes quase dez anos à frente do Agrupamento de Escolas da Vialonga, com mais de dois mil alunos, que lhe valeram a entrega do Prémio Liderança. Para Nuno Santos, vice-presidente do conselho executivo e um dos principais promotores da sua candidatura, o galardão serve que nem uma luva: "Mesmo com todas as dificuldades, nunca desiste. Insiste junto das pessoas, da sociedade civil, do ministério [da Educação]...."
Um dos últimos projectos ilustra bem a sua determinação. Depois de ter criado uma pequena orquestra de violinos numa das escolas do 1.º ciclo, achou que a iniciativa poderia ser mais ambiciosa e alargou-a a mais 60 miúdos, juntando violetas, violoncelos e contrabaixo. "Todos achámos que era impossível arranjar dinheiro para comprar os instrumentos", diz Nuno Santos. Mas não foi e a ideia agora é alargar aos metais.
À persistência desta professora de 64 anos, nascida no Porto, junta-se a capacidade de trabalho que chega a exasperar os colegas. Num dia normal de trabalho, entra na escola às nove e sai às 19h. E ao fim de 45 anos de actividade, continua a dizer que chega ao fim do dia "tão folgada" como quando o iniciou. "Funciono a um ritmo vertiginoso", diz a professora de ar franzino, garantindo que ainda lhe sobra tempo "para ler, estar com a família e com os netos".
Com idade e tempo de serviço mais do que suficiente para se reformar, esta não é sequer uma hipótese em cima da mesa. "Se passasse à condição de senhora reformada o mais provável era gerar-se um desacato familiar." Será na Vialonga e ainda à frente do conselho executivo, onde se sente mais "útil", que deverá acabar a carreira.
A escola passou a ser um local seguro, o abandono caiu para níveis residuais e o insucesso é baixo, assegura. De resto, e apesar de algum nível de frustração por tudo o que fica por resolver, as recompensas vão surgindo. "Hoje de manhã fiquei satisfeita porque uma menina de 15 anos que estava em risco de abandono voltou à escola. Vivemos destas pequenas vitórias. Por outro lado, a dimensão do problema é tão grande que o que fazemos aqui é uma gota no oceano."
No pátio e nos corredores das escolas não há miúdo que não cumprimente a directora. Faz questão de ser ela própria a conversar com quem se porta pior ou estuda menos. Tem um jeito natural que se tornou evidente desde os tempos em que era aluna da escola primária e levava os colegas com mais dificuldades para sua casa para os ensinar. "A professora Armandina é fixe mas às vezes é um bocado durona. Graças a Deus nunca ralhou comigo", diz Vanda, de 14 anos.
Quanto ao prémio, admite que é agradável ver o trabalho reconhecido mas acredita sobretudo na importância simbólica da distinção. "Estas pessoas precisam de chamadas de atenção que melhorem a sua auto-estima. Geralmente só se fala desta comunidade para dizer mal. Para os pais e para os alunos, ter sido reconhecida como uma pessoa
de mérito é algo que também é deles. Viram na televisão e assumem-no como uma vitória pessoal." Isabel Leiria
a Entre uma aula e outra, Paula Canha aproveita para sair da escola, pega num par de botas impermeáveis e sai na carrinha por um caminho de terra até uma pequena ribeira. Quase a chegar, um pássaro desperta-lhe a atenção. Pára o carro e espreita por uns binóculos para confirmar a espécie.
Depois, já com os pés dentro de água, apanha pedaços de algas que põe dentro de uma lata. Volta ao carro para ir buscar um microscópio de bolso - lá dentro estão também guias de espécies e instrumentos de orientação.
"Neste momento estamos a dar a reprodução sexuada. Eles [os alunos] não têm ideia que as algas também podem reproduzir-se sexualmente. Faço questão que vejam ao vivo como as células se fundem, dão origem a um ovo e daí surge uma alga nova", explica com entusiasmo a professora de Biologia e Geologia da Escola Secundária Dr. Manuel Candeias Gonçalves, em Odemira.
Idas às universidades, saídas durante as aulas até ao rio Mira, que fica do outro lado do quartel dos bombeiros, passeios até à serra para recolher plantas em vias de extinção e tentar garantir a sua reprodução, recolha de ninhos, cadáveres de animais que morrem à beira da estrada e que são levados para a escola para serem reconstituídos os esqueletos - muitos sabem das experiências da professora e avisam "quando encontram qualquer coisa mais estranha".
Estas são algumas das actividades desenvolvidas dentro e fora da escola e que fazem de Paula Canha "uma professora especial", diz Fernando Almeida, vice-presidente do conselho executivo. "Quando vimos que existia este concurso, pensámos logo: nós temos uma pessoa para isto", conta. "Não é porque goste de se evidenciar. É uma pessoa muito discreta e simples. Mas é reconhecida porque o seu trabalho é excelente."
A criatividade na sala de aula, a dinamização de inúmeros projectos com alunos, alguns premiados a nível internacional, e o trabalho à frente do clube de ciências da escola acabaram por resultar na atribuição do Prémio Inovação. "Estou sempre a pensar noutras maneiras de ensinar, sobretudo quando as matérias são mais "intragáveis". É como cozinhar nabos cozidos de forma a que consigam comê-los e que não saibam tão mal."
Da página da disciplina na Internet, com ligações a sites relacionados com os temas, documentários e exercícios, às experiências em laboratório e fora de aulas, passando pela colaboração com universidades e empresas locais são muitas as estratégias que utiliza para cativar os miúdos. E com alguma hão-de "atinar", confia.
Os alunos retribuem com igual empenho e dedicam feriados a saídas de campo e fins-de-semana em acampamentos improvisados dentro da escola a trabalhar nos projectos.
"É incansável a tirar dúvidas." "Contagia-nos com o entusiasmo com que dá as aulas." "É superboa professora e uma grande amiga. Sabemos que mais tarde podemos contar com ela." "Tudo isto não a impede de entregar os testes corrigidos nos dias a seguir. Porque é extremamente profissional e sabe organizar-se. Tem três filhos, uma casa, os viveiros [de aquacultura]...", descreve Samuel. Os alunos do clube de ciências não poupam elogios a Paula Canha, esta bióloga de 43 anos que só mais tarde percebeu que ser professora era a sua vocação. "Houve uma altura em que tive de optar entre dar aulas e continuar no projecto de aquacultura [que lançou em Vila Nova de Milfontes]. Não consegui deixar a escola e percebi que me tinha enganado na profissão... O ambiente não tem nada a ver com o dos negócios. É puro. Os miúdos são muito espontâneos, dizem o que lhes vai na alma. E é um trabalho que não é rotineiro." I.L.
a O contrário de estar out é estar in. E Teresa Pinto de Almeida faz por estar in. "Ninguém quer estar out, nas margens da invisibilidade. O professor, se quer estar próximo dos alunos, tem de estar sempre in." Tem de estar in para, no meio de uma aula onde ele está sempre proibido, anunciar que naquele dia há um exercício para fazer com telemóvel.
Aos 50 anos, Teresa Pinto de Almeida, professora de Inglês há 16 na Escola Secundária Carolina Michaëlis, no Porto, viu o Ministério da Educação entregar-lhe o Prémio Carreira. Ficou orgulhosa, claro, mas quis dedicar a distinção "a todos os professores que, diariamente, dão o seu melhor pelos alunos". "Fiquei sobretudo contente por entender que este é o reconhecimento e valorização da actividade do professor. Este prémio não é meu, dedico-o à classe."
Foi por "circunstâncias várias", e ao arrepio da tradição de família, que Teresa Pinto de Almeida se inscreveu num curso de Filologia Germânica. "Sempre gostei de línguas pela capacidade que elas têm de desenvolver as competências interculturais." Hoje é isso que põe em prática nas aulas. "Uma língua estrangeira é um espaço privilegiado para promover a interculturalidade e para preparar os alunos para o exercício da cidadania."
E se há 28 anos, quando começou a carreira numa escola de Vila do Conde, o ensino era mais "elitista", hoje "a diversidade de públicos obriga a que as aulas sejam preparadas com base numa diferenciação pedagógica", diz. "Hoje é muito mais complexo ser professor."
Antes de tudo, o professor é "um organizador de aprendizagens" mas, porque a sociedade "exige cada vez mais à escola", tem também de ser "mobilizador dos alunos em torno da realização de projectos que eles vêem como importantes para a sua vida". E tem ainda de ser "um amigo". É por tudo isto que as suas aulas são pensadas ao pormenor. "Está provado que o tempo de atenção do aluno numa sessão expositiva é muito reduzido, pelo que as aulas têm de ser muito dinâmicas", explica. As dela são mais ou menos assim: tenta sempre abordar "temas de actualidade", usa as novas tecnologias, leva à sala native speakers (uma turma do 8.º ano entrevistou o treinador de futebol Bobby Robson), alterna as actividades de reading, listening, speaking - reserva sempre uma parte "para a apresentação de trabalhos" porque, insiste, assim prepara os alunos "para o exercício da cidadania participativa".
E porquê o Prémio Carreira? O currículo fala por Teresa Pinto de Almeida: em 2000 terminou o mestrado em Estudos Anglo-Americanos; é autora de manuais escolares (também para Angola) e dos programas da disciplina (também para São Tomé e Príncipe); orienta a formação inicial e contínua de professores. "Todas estas actividades possibilitaram-me experiências privilegiadas. Contactei com muitos professores, com as mais variadas idiossincrasias, e aprendi com todos eles."
Carla Duarte, presidente do conselho executivo, que marcou para esta tarde uma sessão de homenagem a Teresa Pinto de Almeida, diz que, por tudo o que fez pelos alunos e pela escola, o nome dela "foi imediatamente consensual" para apresentar uma candidatura ao concurso nacional de professores. A aposta foi ganha, já se viu. "Ficámos muito satisfeitos com o prémio porque é também uma forma de dar visibilidade à escola e ao seu projecto educativo." S.S.C.
a Será enfado? "Com esta coisa quase deixei de ter tempo para o que gosto..." Modéstia? "Isto é circo", diz, referindo-se aos autocolantes que espalharam a sua cara por tudo o que é parede da escola - "Estamos muito contentes!". Ironia? "Se calhar ganhei porque o júri reconheceu a minha tralha consolidada."
Talvez uma soma disto tudo ou nada disto. Há uma verdade e é esta: a vida de Arsélio Martins, 59 anos, quase deixou de lhe pertencer desde que foi anunciado como vencedor da primeira edição do Prémio Nacional de Professores. Não é que ter jornalistas à perna durante uma semana o aborreça; só que ele tem cada vez menos tempo. "E o que eu mais preciso enquanto professor é de tempo", explica, depois de uma aula de 90 minutos do 10.º B da Escola Secundária José Estêvão, em Aveiro.
A escola está "muito contente", já percebemos. Ele, professor de Matemática há 35 anos, está sobretudo "honrado" por ter sido distinguido no seio da escola de José Pereira Tavares (1887-1983), professor e reitor do então Liceu de Aveiro. "Ao pé deste tipo sinto-me um nabo." Não há quem confirme esta informação. Funcionária de olhos verdes escondidos atrás de uns óculos: "O professor Arsélio é espectacular. É um homem pequeno mas uma grande pessoa." Ana Santos, aluna do 10.º B: "É diferente de todos os professores que já tive. Consegue tornar a Matemática mais simples e explica que ela está em tudo o que fazemos." Maria da Luz, professora de Matemática: "Não desiste enquanto não faz os alunos perceber o que ele está a explicar." Alcino Carvalho, presidente do conselho executivo: "Não se esgota na faceta de professor."
E agora, professor Arsélio? "Eu sou basicamente um produto da educação. Sou filho de camponeses de Santo André, Vagos, fui criado por uma irmã, quis ser padre mas a minha família não deixou, tentei ser marinheiro porque achava que era a melhor maneira de ser poeta." Não sabe se foi por acaso que foi parar a um curso de Matemática Pura. "Não era bom nem mau aluno, mas não houve nenhuma paixão assolapada."
Com verdadeira paixão fala da sua intervenção cívica. Foi dirigente associativo, envolveu-se na política (é deputado municipal pelo Bloco de Esquerda), tem um blogue (aveiro.blogspot.com/). No campo da educação, foi presidente do conselho executivo da José Estêvão, orientou estágios, dirigiu o Centro de Formação de Escolas de Aveiro, foi co-autor dos programas da disciplina, fundou o Sindicato dos Professores do Norte.
Na sala de aula - "a parte mais difícil, a relação directa com os alunos, mas também a que mais me realiza" - o que mais lhe interessa é "não perder nenhum aluno". "Quando perco um é uma desgraça completa", diz. E o segredo, se é que é segredo, é "arranjar estratégias que possam ir ao encontro das necessidades de cada um".
Defende que a melhor forma de potenciar o sucesso numa disciplina como a Matemática é permitir que os alunos tenham o mesmo professor ao longo de um ciclo de estudos - "eu tenho de ter persistência, respiração e tempo". Não dá "nada em papel aos alunos, para eles se habituarem a tirar notas", constrói com as próprias mãos sólidos geométricos para mostrar aos estudantes, maneja com destreza o quadro interactivo - "uma óptima ferramenta". "Sou um professor clássico que foi incorporando tudo o que há de moderno." Mas não é um professor modelo. "Ninguém deve imitar-me. Meti muita água. Mas faço o que gosto e melhor do que isso não há no mercado." Sandra Silva Costa
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