Friday, January 07, 2005

Educação e sistema educativo jogo de contradições Por Margarida Marrucho Mota Amador

Educação e sistema educativo jogo de contradições Por Margarida Marrucho Mota Amador
Directora Pedagógica Colégio Sagrado Coração de Maria/Lisboa

DN, 7 Janeiro 2004



Para muitos, a educação é uma paixão. Já ouvimos esta frase na boca de muitos dos nossos políticos de ontem e de hoje. Mas porque será que não dizem antes «Ensinar é uma paixão?» Talvez porque ensinar é muito mais redutor e finito, enquanto educar pressupõe uma alteração de comportamentos e ideais, que só um trabalho continuado e perfeitamente delineado pode produzir. É através da educação que se mudam as sociedades, é o trabalho que produz frutos mais duradouros, que passam de geração em geração.

Para que esta missão se torne uma realidade é precisa uma visão alargada do mundo e definir muito claramente os objectivos a atingir a curto, a médio e a longo prazo. O que querem os nossos governantes (e candidatos a governantes) para o nosso país? Será que conseguimos vislumbrar? Será que nesta era da comunicação conseguimos perceber o porquê de algumas alterações curriculares recentes? Efectivamente causa alguma perplexidade

a) A abolição das planificações por objectivos e o reinado das competências;

b) A introdução de áreas curriculares não disciplinares, sendo elas área de projecto, estudo acompanhado e formação cívica, sem nenhuma orientação curricular oficial, concorrendo desenfreadamente as editoras por fazer livros atractivos que possam ser adoptados por docentes com pouca formação para ocuparem esses tempos lectivos que lhes são destinados;

c) A criação da disciplina de Técnicas de Informação e Comunicação como um fim em si e não como uma ferramenta a ser constantemente actualizada e ao dispor de todos.

Será que conseguimos compreender isto? Mas, afinal, o que querem de nós, profissionais da educação, que, sem qualquer falsa modéstia, temos o pensamento dos nossos futuros governantes nas mãos?

Chegou a hora de clarificar e traçar caminhos. De que servem as competências sem conteúdos? E como avaliar competências? Como pode a mesma competência ser utilizada em saberes diferentes? E, aqui, será avaliada de maneiras diferentes? De que servem as áreas de projecto sem interdisciplinaridade? De que serve o Estudo Acompanhado, se cada aluno tem o seu ritmo? Será que nada é deixado para o trabalho individual?

Autonomia e responsabilidade. O que é isso? Fala-se muito de autonomia dos alunos, dos docentes, das escolas.... Será que ainda não perceberam que autonomia não é apenas fazer por sua conta, mas antes de mais fazer bem feito por sua conta e que essa é a causa de maior responsabilidade? Mas então porquê o Estudo Acompanhado?

Pedir a docentes sem formação específica que orientem o estudo de cada aluno de uma turma, cada um com um ritmo diferente, com necessidades diferentes e que requerem avaliações diferentes, é certamente tarefa para super-homens. E ainda nos pedem para sermos justos! Mas será isto possível? E a Formação Cívica? Será que todos sabemos o que se passa naquela que deveria ser a área mais importante do currículo? Sem contarmos com os módulos sobre regras de trânsito ou a Constituição da República. Não deveria ser aqui que se discutiriam muitas das regras a adoptar para a vida?

Ainda a propósito da autonomia, como podem as escolas querer conquistar a sua autonomia, quando esta se constrói com as pessoas que as habitam todos os dias, alunos, docentes e não docentes, em que os segundos passam todo um ano lectivo a pensar onde irão estar no próximo ano, e se vale a pena ou não misturar o seu projecto de vida com o daquelas crianças e adultos? Esta angústia é mais premente no ensino público, mas também afecta as escolas privadas. De que forma? Por exemplo, quando se contrata um professor, que não foi colocado no ensino público e que dado o seu número nas listas, não o espera ser durante aquele ano, e repentinamente é colocado, a 350 quilómetros de distância. O referido professor ou aceita a colocação ou no próximo ano não poderá concorrer. Como no ensino privado não tem garantias de ficar a leccionar para o próximo ano, o melhor é aceitar mesmo a nova colocação na escola pública. A escola privada, que quer a estabilidade do corpo docente, lá tenta procurar um outro docente que não tenha concorrido sequer, para não lhe acontecer de novo a mesma situação! São os efeitos colaterais da guerra das colocações de professores!

E por falar em colocação de professores, não deveriam ser as escolas a escolher os seus professores, para melhor concretizar o seu projecto educativo?

Isto para já não falar na lenta asfixia de algumas escolas que sobrevivem devido aos contratos simples e de desenvolvimento. Como podemos lutar por um sistema educativo livre e ao dispor de todos os cidadãos, em que às escolas subsidiadas pelo Estado lhes são retirados alunos para as escolas públicas mais próximas, mesmo que estas sejam a umas dezenas de quilómetros de distância do local de residência dos alunos? Será que os encarregados de educação não poderão de uma vez por todas aderir ao projecto educativo da escola que mais conveniente lhes parecer para os seus filhos? É esta a nossa liberdade de educação? Porque não pode o Estado subsidiar famílias de baixos recursos económicos em escolas que não sejam suas, em vez de os querer a todo o custo nas suas escolas? Será o mais justo? Será um bom exemplo educativo de liberdade?

Será que não deviam os nossos governantes (e candidatos a governantes) tentar perceber porque são as escolas particulares cada vez mais procuradas, e contraditoriamente existindo uma situação económica difícil para grande número de famílias? Como vão os encarregados de educação pagar as mensalidades? Mas, afinal, o que procuram os pais, quando escolhem uma escola privada para os seus filhos? Segurança, ocupação dos tempos lectivos e não lectivos e um projecto educativo que garanta a integral educação dos seus filhos. Os muitos pais que fazem o impossível para poderem dar aos seus filhos o mínimo de estabilidade deveriam constituir uma fonte de preocupação e interesse por parte do Estado.

Como poderá o Estado subsidiar as famílias e assim dar corpo à certeza de uma educação de qualidade para todos? Sim, porque a maioria dos encarregados de educação do nosso país preocupa-se com uma educação de qualidade e não com uma qualquer ocupação diária num sítio a que alguns chamam escola.

E depois disto tudo ainda nos falam de rankings! Todos os que fazemos da educação o nosso dia-a-dia percebemos, há muito tempo, que não existe melhor ranking do que ver os nossos alunos com o seu futuro encaminhado, seja na faculdade, no politécnico ou no técnico- -profissional. Que as pequenas grandes vitórias que alcançam para eles próprios são ganhos para a própria escola, que o acompanhamento do seu crescimento físico, emocional, psicológico e de personalidade é motivo de orgulho e satisfação para todos os que trabalham com eles e que por eles se entregam todos os dias. Nenhum destes itens é mensurável quantitativamente em notas de exame. Para quantas escolas por este país fora não são mais importantes os valores humanos e os progressos como cidadãos em detrimento de classificações de exames?

Iniciamos neste ano lectivo a revisão curricular do ensino secundário, continuamos na expectativa da morte à nascença ou da vida longa para os exames de 9.º ano, agora que se aproximam eleições e, consequentemente, as regras do jogo poderão mudar em breve. Mas será aceitável alterar as regras do jogo depois dele ter começado? Não mereceria todo o sistema educativo alguma paz, estabilidade e acalmia? Não chegará já de mudanças? Será que alguém consegue viver em permanente mudança?

Por muitas reformas ou revisões curriculares que sejam propostas e pedidas, elas só se concretizam se os professores as tomarem como suas e as puserem em prática efectivamente e afectivamente e não só formalmente, ou será que já se esqueceram da área-escola?

Parece-me que antes de chegarmos à revisão curricular já em curso no ensino secundário, devia o ensino básico ser objecto de especial atenção, pois é através dele que sedimentamos certezas, convicções, autonomia, responsabilidade e personalidades fortes, determinadas e em- preendedoras, compreendendo e aceitando as imperfeições daqueles que os rodeiam e, consequentemente, ambicionando uma sociedade que favoreça o desenvolvimento em prol da natureza humana.

É no ensino básico que a preocupação em conseguirmos educar cidadãos de pensamento livre e críticos intervenientes e construtivos ganha especial importância numa so- ciedade de informação e não de formação e onde o que preocupa um número significativo de pais é manter os seus filhos ocupados e satisfeitos, sem darem conta da necessidade imperiosa do tempo livre para a formação da personalidade das crianças e jovens, quando o simples e contínuo acto de pensar toma o lugar de toda e qualquer actividade? E a preparação para lidar com as frustrações e perdas futuras, que constituem as pequenas negações e contradições diárias? Estarão as nossas crianças preparadas para lidar com pequenos contratempos, ou à primeira negação lá vêm a depressão, o psicólogo, o psiquiatra e as drogas? A aceitação do mundo como imperfeito, que precisa do nosso trabalho e investimento, levará à criação de jovens trabalhadores e empreendedores, com objectivos determinados, utilizando as competências necessárias para fazer a sociedade evoluir.

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