Público
Quarta-feira, 29 de Dezembro de 2004
O sismo e o tsunami de 26 de Dezembro constituíram uma catástrofe cujas dimensões ainda não estão totalmente avaliadas. Nos próximos dias o número de mortos e desalojados irá impiedosamente subir, sublinhando a grande fragilidade das regiões litorais.
O mecanismo físico que gera os sismos está bem estudado: a convergência oblíqua das placas Indiana e Australiana (a oeste) com as placas de Burma, Sunda e Eurásia (a este), ocorre com uma velocidade relativa de cerca de 6 cm por ano, ao longo da fossa de Sunda, criando um ambiente tectónico de elevada perigosidade sísmica. A tecnologia disponível, sismológica e geodésica, permite determinar estes valores com grande fiabilidade, pelo que se não pode considerar qualquer surpresa a ocorrência desta catástrofe.
As determinações já realizadas para a fonte sísmica apontam para uma profundidade do foco inferior a 10 km e para uma enorme extensão de ruptura, atingindo os 1000 km. Estes dois factores combinaram-se para uma geração de tsunami muito eficiente, cujos efeitos devastadores ultrapassaram os do sismo.
A geração de um tsunami é um fenómeno que se pode considerar bem conhecido: quando ocorre um sismo existe movimento relativo entre as duas faces do plano de ruptura; este movimento gera deformação do fundo do mar cuja amplitude pode atingir dezenas de metros. A deformação do fundo do mar, muito rápida, transmite-se à superfície do oceano e esta perturbação propaga-se como uma onda. Esta onda é semelhante à onda de maré, e não se confunde com uma vaga, de muito menor período e onde a "subida" e a "descida" são observáveis simultaneamente. A onda de tsunami aparece como uma "parede de água" ou uma "subida repentina do nível do mar". Próximo da costa ocorrem fenómenos de espraiamento e inundação, que ainda ampliam o impacto.
Os ambientes tectónicos convergentes são geradores de tsunamis. É isso que ocorre no SW de Portugal, onde a placa Núbia se desloca para NW, convergindo com a placa Euroasiática com uma velocidade de quatro a cinco milímetros por ano. O sismo de 1755 gerou um grande tsunami que inundou as costas de Portugal, Espanha, Marrocos e foi sentido em locais muito distantes como as Caraíbas. O sismo de 1969 gerou também um tsunami que foi observado nos marégrafos e que atingiu 80 centímetros em Lisboa. Outros sismos de menor magnitude deram origem a tsunamis cuja amplitude é pequena e que apenas os marégrafos podem detectar. Neste sentido pode dizer-se que o risco de tsunami é real em Portugal, sendo particularmente significativo nas regiões do Algarve, da costa alentejana e de Lisboa.
Que se pode fazer?
A primeira medida tem a ver com a monitorização da actividade sísmica que gera os tsunamis. A instituição nacional responsável por este acompanhamento (o Instituto de Meteorologia) possui meios de observação muito escassos. Basta uma observação mais cuidada das estações sismográficas utilizadas para a localização do sismo de 16 de Dezembro para se perceber que a rede algarvia, a mais importante para a monitorização da fronteira de placas, quase não possui estações!
A segunda medida tem a ver com a existência de sistemas de alarme. À semelhança do Indico, também o Atlântico europeu está desprovido de uma rede de alarme funcional. Apenas indirectamente será possível utilizar informação sísmica em tempo real para desencadear um alarme e é necessário preparar as populações para as acções de defesa.
A terceira medida tem a ver com a ocupação do território e a fragilidade das ocupações turísticas do litoral, em particular das primeiras centenas de metros.
Portugal pode resolver de forma satisfatória o primeiro problema. Basta para isso direccionar de forma mais razoável os recursos existentes e assegurar os serviços públicos mínimos. Quando for feito o balanço (será feito?) das opções que levaram à desmoralização e destruição dos laboratórios de Estado, perceber-se-á que um país de recursos limitados como o nosso deve gerir os recursos de que dispõe de forma rigorosa e não multiplicar iniciativas descoordenadas de observação.
Portugal pode resolver parcialmente o segundo problema integrando o risco de tsunami nos planos de protecção civil e colaborando de forma activa nas iniciativas de monitorização sísmica e maregráfica do fundo do mar na região da margem ibérica. Existem iniciativas em curso para o VII Programa Quadro que deveriam ter uma participação nacional activa, à semelhança do que ocorre com a participação no CERN, ESO e ESA.
Portugal poderia resolver parcialmente o terceiro problema, mas aqui a ciência e a tecnologia apenas podem fornecer cálculos de risco. Cabe aos decisores políticos a cultura e a coragem para a adopção de medidas restritivas do uso do litoral. Espero que os cenários das alterações climáticas previstas para Portugal e as imagens do desespero das populações no Indico, sirvam para fornecer a energia necessária a uma alteração real de comportamentos.
Presidente do Instituto Geofísico do Infante D Luiz, Universidade de Lisboa
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