Monday, December 27, 2004

Manifesto pela Ciência Tecnologia e Inovação Por LUÍS MONIZ PEREIRA

Público
Domingo, 26 de Dezembro de 2004

Ciência traz valores importantes, formativos, de ginástica mental. E se os jovens devem fazer exercício físico, também devem exercitar-se a pensar, a ter sentido crítico, a escolher. Talvez por isso certas ideologias, certos partidos políticos, não estejam muito interessados em ciência. Mas certas políticas, que pensam mais na tecnocracia e na instrumentalização da rendibilidade do ser humano/robot, preferem o jovem consumidor/votante acrítico.

Contudo, a Ciência tem razões e valores que a Economia desconhece, e desconhecerá... Por exemplo, o maravilhamento perante o conhecimento; a sua construção e herança histórica como valor partilhado da humanidade; o preferir a verdade a ter razão; a cooperação global como valor essencial que se sobrepõe à competição; a procura do rigor intelectual, segundo o qual somos os primeiros críticos de nós próprios; a atenção dada à crítica alheia e aceitação da argumentação como modo de dirimir diferenças; a crença na existência de uma realidade externa que não pode ser convencida com propaganda ou emoções humanas...

Há uma diferença entre a Esquerda e a Direita na forma como se relacionam com a Ciência. A Direita, em contraposição à Esquerda, preocupa-se menos com a Ciência e mais com a Tecnologia como forma de negócio. Menos com o global e social, e os tais valores intrínsecos à Ciência, e mais com o lucro tecnológico. E quando a Direita investe em Ciência é mais como subsídio encapotado às empresas em geral e, nos países desenvolvidos, àquelas associadas à defesa e à guerra.

Hoje, tem havido em Portugal uma pressão grande para transformar as universidades num mero laboratório das traseiras das empresas, enquanto estas abdicam de contratar o verdadeiro produto das universidades, que são as pessoas qualificadas de alto nível e experiência científica. Pretende-se matar a galinha em vez de a deixar produzir.

A Economia imediata parece ser a medida de todas as coisas. Simplismos para quem não quer, não é capaz, de pensar no global comum. Afinal o lucro é a única medida, porque o Mercado pensa magicamente por nós. Os problemas são demasiado complicados para os tecnocratas, e estes simplificam-nos à medida do seu utilitarismo egoísta. A Ciência não é rentável certamente porque não compatível, em Portugal, com os balanços anuais de contas ao Mercado que esquecem o longo prazo. Também, obter produtos estrangeiros chaves-na-mão é sempre mais cómodo para o gestor que afinal não quer arriscar na capacidade nacional.

A distinção entre Ciência e Tecnologia é essencial. A primeira define o possível, a segunda escolhe em que vamos concretizá-lo. O financiamento no entanto já influencia antecipadamente o possível, com vista a uma escolha de realização. A Tecnologia tem mais a ver com opções políticas do uso da Ciência. Mas que Ciência de apoio à Tecnologia é que devemos financiar? Muitas escolhas existem.

Podem-se valorizar as ciências humanas (os tecnocratas invariavelmente diminuem-lhes o financiamento); ou podem-se subsidiar encapotadamente as empresas; ou poupar na contratação na administração pública, por via de bolsas temporárias, ao invés de criar emprego científico. Pode-se atender à opinião e conhecimento científicos para informar os problemas complexos da nossa sociedade, ou pode-se remetê-los antes para a decisão política desinformada.

Embora não haja propriamente uma ciência portuguesa, é importante defender uma ciência portuguesa. Mas a Ciência não tem nacionalidade, é como as leis da Física. Por isso, e porque beneficiamos da Ciência internacional, devemos também contribuir para ela. Defendamos a Ciência portuguesa porque defendemos a Ciência não portuguesa! Mas estamos atrasados em fazê-lo.

A actividade excessiva como docente atrapalha frequentemente a actividade de investigador, mas é na Universidade que se encontram mais de 300 centros de investigação. A investigação científica precisa de investigadores a 100%, pelo menos em certos períodos da sua vida, e de gestores qualificados. A boa gestão universitária no entanto não existe, porque não tem verdadeiros instrumentos de gestão. Dinheiro não tem, lugares de quadro são poucos e esparsos, avaliação regular e consequente do mérito pessoal não existe. Em qualquer caso, a docência complementa a investigação, e reproduz o sistema de conhecimento.

Os sindicatos são uma via importante para travar o combate pelo mérito. Não há muito eram avessos a ele. Quando começaram a pensar em termos de quadros de dotação global perceberam que a avaliação por mérito era indispensável. Depois reconheceram-lhe outras vantagens: como instrumento de gestão, e de apoio dos próprios sectores departamentais à progressão por mérito dos seus membros.

A Lei 10/2004 de 22 de Março "Cria o sistema integrado de avaliação do desempenho da Administração Pública", e veio colocar o assunto na ordem do dia. Mas assistimos ao Ensino Superior a fugir-lhe porque embora avaliemos outros não queremos ser avaliados individualmente.

Em que nos ajuda a estratégia definida na Cimeira de Lisboa? Queremos de facto a sociedade do conhecimento? Ou apenas acenar com poeira mediática? Os nossos jovens vão de facto aprender os valores do conhecimento, ou continuarão alienados à engrenagem do consumo e da competição antropofágica? Como é possível uma sociedade do conhecimento em que estes temas se não debatem? O conhecimento só interessa para criar empregos mais sofisticados, ou vai justamente ao cerne dos valores que pretendemos promover?

Portugal continua com enorme iliteracia científica. O atraso aumenta porque outros do espaço Europeu movem-se melhor e mais depressa. Aprovou-se na UE o aumento para 3% do PIB em 2010 do financiamento à Ciência e Tecnologia, mas depois logo vem um nosso ministro dizer que a meta não é para nós, nem metade, só para os outros.

Mas não é difícil nem secreto o que fazer: primeiro mudar de Governo, depois voltar a ter um ministro como José Mariano Gago, que continue o que se iniciou. Que novo Governo fará o que tem a fazer? Professor Catedrático, UNL. Comunicação ao Encontro "Inovação, ciência e tecnologia: condições para o desenvolvimento científico e tecnológico do País - bloqueios, estratégias e soluções", 18 Dezembro 2004, ISCTE, Lisboa

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