Público
Sábado, 27 de Novembro de 2004
magine que vai nacarreira 46, exactamente aquela onde recentemente um motorista da Carris foi agredido por um "gang" juvenil e lê no jornal: "O Tribunal de Instrução Criminal (TIC) do Porto mandou libertar, ontem, três cidadãos marroquinos que se encontravam em prisão preventiva desde 27 de Setembro, depois de terem sido detidos no Porto com mais de 21 mil comprimidos de 'ecstasy'. A decisão foi fundamentada com o facto de o tribunal ter considerado existir a probabilidade de as escutas telefónicas que deram origem às buscas e às apreensões virem a ser anuladas. Argumenta o juiz que, caso venha a ser declarada a nulidade das mesmas, por não se terem cumprido os formalismos legais, então existe uma probabilidade séria de os arguidos virem a ser absolvidos." ("JN", 19 de Novembro). Mas, em vez desta, podia ser também a história de Franklim Lobo, apontado pelas autoridades portuguesas como um dos mais importantes traficantes de droga e que, graças a um lapso judicial, foi libertado apesar de ter uma pena de 25 anos de prisão para cumprir. Ou a do juiz conselheiro Joaquim Almeida Lopes, que alegadamente terá dado indicações que permitiram a Fátima Felgueiras fugir à acção da justiça, mas que provavelmente nunca será julgado, porque as escutas telefónicas que o incriminavam não podem ser usadas... Podem ser estas ou outras quaisquer,mas incompreensivelmente tantas histórias dando conta de uma justiça que subestima as suas responsabilidades sociais e políticas.
Quando, dentro de alguns anos, a propósito do recrudescimento da extrema-direita na Europa,nos interrogarmos: "Como é que tudo isto começou?", vamos encontrar casos como estes ou como o de Carlos Silvino, que, das várias vezes que foi afastado da Casa Pia, foi sempre reintegrado por ordem dos tribunais. Tal como os anarquistas e comunistas fizeram no passado, agora, no século XXI, a extrema-direita vai colocar na agenda europeia aquilo que os políticos tradicionais não querem ver: uma justiça que despreza os mais fracos e o terror imposto pelos fundamentalistas islâmicos. No passado, não queriam ver a forma como os operários viviam e morriam. Uns chás de caridade, umas sopas dos pobres e o voluntarismo de alguns empresários não eram de modo algum suficientes para resolver as precárias condições de vida das classes trabalhadoras.
Hoje, os políticos tradicionais não querem ver que criaram um sistema de justiça que se preocupa mais com os arguidos do que com as vítimas. E as vítimas estão longe de ser aqueles que vivem em condomínios fechados ou nos bairros da classe média. As vítimas são os velhos que vivem nas serras algarvias, ou a jovem mãe da Cova da Moura que prefere ficar com um filho doente em casa até que se faça dia, porque tem medo de sair à ruamal o sol desaparece. As vítimas são os pequenos comerciantes, os motoristas da Carris, os taxistas, os professores...enfim, seja todas aquelas pessoas que, pela natureza do seu trabalho ou pelos seus poucos recursos, não podem evitar locais e situações onde é muito provável que sejam vítimas de delinquência - ou como, certamente por ironia, é corrente chamar-lhe, da pequena delinquência. Mas é pequena do ponto de vista de quem? De quem pratica o crime, claro. Nesta lógica inversa, assaltar um banco não é pequena delinquência. Pequena delinquência é assaltar o reformado que vai a caminho de casa com a sua pensão. Mas a definição é feita unicamente do ponto de vista de quem pratica o crime. Ser-se assaltado por esticão quando se tem uma pensão de 220 euros é certamente uma violência maior do que, sob ameaça de arma, tirar-se vinte mil euros ao mais insolvente dos bancos.
O crime organizado, o colarinho branco e outras formas elaboradas da prática criminosa podem, em último grau, colocar até em causa a natureza de um Estado - veja-se o sucedido em Itália com a Máfia -, mas a quem regressa a casa, ao anoitecer, na carreira 46, o que o assusta, o que o preocupa, é a possibilidade de ser assaltado quando sair do autocarro. Ou dentro dele, como já aconteceu. Subestimar este tipo de criminalidade é um erro político que se vai pagar muito caro. Estas pessoas estão disponíveis para passarem a votar em quem der conta dos problemas da sua vida. Em quem ousar dizer aquilo que eles gostariam de dizer, mas calam porque têm medo. A este medo, a esta humilhação do "calado é o melhor", do "eu cá não vi nada, não sei nada", junta-se o absurdo de os partidos políticos subestimarem a questão. Numa espécie de pacto de regime, está instituído que esta temática é couto da extrema-direita e, como o medo de ser chamado fascista funciona como uma espécie de "spray" entorpecedor, faz-se tábua rasa sobre o assunto. Até ao dia em que se constata, por exemplo, que Le Pen está prestes a tornar-se Presidente da França, como convém não esquecer que esteve para acontecer.
À incapacidade manifestada pelos políticos tradicionaisde abordarem o tema da insegurança, junta-se agora o problema do fundamentalismo islâmico. O que levou os telespectadores holandeses a consideraram recentemente um político marginal ao sistema, como era Pim Fortuyn, o seu maior compatriota de todos os tempos foi o facto de o recordarem como alguém que disse acerca dos emigrantes muçulmanos aquilo que eles gostariam de dizer, mas não dizem -porque têm medo de serem agredidos ou assassinados. Mesmo em países aparentemente livres desse flagelo, como é o caso de Portugal, as pessoas começam a ter cuidado: "Tínhamos pensado pôr umas mulheres com umas 'burkas', mas com isto do Theo Van Gogh é melhor termos cuidado. Vamos fazer a coisa menos óbvia!" Quando, num almoço pré-natalíciodava conta desta frase, que ouvi pronunciada, na semana passada, ao participante de um espectáculo, imediatamenteuma vozcontrapôsdo outro lado da mesa: "Por acaso, num argumentoque estou a fazer para um documentário também tive o cuidado de não meter mulheres com véus, porque não me apetece nada ter uma bomba à porta de casa!" Ao ouvir frases como estas, é impossível não recordar as estratégias de intimação dos nazis. "A posteriori" é óbvio onde estava o mal, mas, na época, os nazis, tal como hoje os fundamentalistas, justificavam as suas acções com base no facto de terem sido provocados. E ontem, tal como hoje, a estratégia do terror funcionou, transformando as vítimas em agentes de provocação, criando dois pesos e duas medidas: o procurador do tribunal francês onde, neste momento, se julga o jovem muçulmano que há um ano agrediu o rabi Michel Serfaty considerou que não se esteve perante um acto racista, mas sim perante uma palermice. O facto de o agressor ter gritado: "Palestina, Palestina, vou partir-te a cara, judeu!" foi irrelevante para o procurador, que fez até questão de declarar a Michel Serfaty: "Francamente, senhor rabi, eu penso que o senhor lhe fez medo."
Medo é de facto o que sente perante tanta cegueira. Esta cegueira que nos obriga a fazer de conta que somos livres e que nos manda calar o medo em nome do politicamente correcto. Combater o fundamentalismo, dar mais segurança às pessoas, têm de ser causas dos partidos democráticos. Porque é a liberdade que está em causa. Ainda não nos corredores das faculdades, nem nos círculos do poder. Mas experimentem apanhar a carreira 46, ao anoitecer, e ouçam o que aí se diz. Antes que seja tarde.
Saturday, November 27, 2004
Friday, November 26, 2004
Cigarros com Pesticidas, Por Carlos Corrêa
Público
Sexta-feira, 26 de Novembro de 2004
Nos últimos dias alguma comunicação social, nomeadamente a RTP, entrou em histeria por ter sido relatado por uma colega nossa, numa sessão pública no Dia Nacional contra o Tabagismo, a presença de dialdrina no fumo de cigarros de uma determinada marca. A comunicação passou despercebida aos responsáveis governamentais presentes, que só acordaram com o estrondo dos "media". Por se tratar de um caso de saúde pública, apareceram lestos a anunciar que os lotes dessas marcas de cigarros iam ser retirados do mercado! Os maços de tabaco exibem em letras garrafais que FUMAR MATA, mas só agora é que descobriram que se trata de um problema de saúde pública!
Curiosamente, houve pessoas a perguntar se deviam deixar de fumar essas marcas, como se fizesse alguma diferença o suicídio com cianeto, dialdrina ou nitrosaminas...
Durante os últimos 50 anos, foi acumulada uma enorme quantidade de provas resultantes de intensa investigação que demonstraram que o fumo do tabaco provoca bronquite crónica, efisema pulmonar, doenças do coração e cancro do pulmão. As primeiras substâncias identificadas no fumo do tabaco (em 1950) que poderiam ser a causa da sua perigosidade para o fumador foram os hidrocarbonetos aromáticos polinucleares, como o benzopireno, que se sabe causarem tumores em animais testados no laboratório. Na década de 50 identificaram-se mais oito dezenas de compostos, muitos deles cancerígenos e, em 1976, encontraram-se 48 compostos aromáticos, incluindo o dibenzofurano e benzopirenos, os terríveis compostos que o Governo receava resultarem da co-incineração e que os fumadores alojam descontraidamente nos seus pulmões.
Nos anos 60, descobriram-se no fumo do tabaco as nitrosaminas, que constituem um grupo de compostos altamente cancerígenos. À medida que os métodos físico-químicos de análise se foram desenvolvendo (em especial a cromatografia em fase gasosa e a cromatografia em fase líquida de alta eficiência) a constituição do fumo do tabaco pode ser conhecida em maior extensão e, presentemente, conhecem-se cerca de 4800 compostos, muitos deles tóxicos, muitos cancerígenos, alguns suspeitos de ser cancerígenos, alguns promotores de tumores e outros, ainda, co-cancerígenos.
Todas as tentativas para remoção do fumo do tabaco dos compostos adversos à saúde foram infrutíferas. A conclusão dos especialistas é que a única solução para eliminar os riscos de cancros e de outras doenças graves associadas ao tabaco é deixar de fumar.
Contendo o fumo do tabaco tantos compostos cancerígenos, é notável que só agora tenham descoberto que se trata de um caso de saúde pública! Quando irão retirar do mercado todas as marcas de cigarros? Muito me admira que os "media" não tenham ainda noticiado que as laranjas do Algarve contêm o E300, os limões do Minho o E330 e as águas gasosas naturais o E290, já não falando no terrível óxido de hidrogénio...
Esta história faz-me lembrar o alarme que causaria o encontro de um canivete no bolso de um criminoso armado de catana...
Carlos Corrêa
Professor Catedrático da Faculdade de Ciências do Porto
Sexta-feira, 26 de Novembro de 2004
Nos últimos dias alguma comunicação social, nomeadamente a RTP, entrou em histeria por ter sido relatado por uma colega nossa, numa sessão pública no Dia Nacional contra o Tabagismo, a presença de dialdrina no fumo de cigarros de uma determinada marca. A comunicação passou despercebida aos responsáveis governamentais presentes, que só acordaram com o estrondo dos "media". Por se tratar de um caso de saúde pública, apareceram lestos a anunciar que os lotes dessas marcas de cigarros iam ser retirados do mercado! Os maços de tabaco exibem em letras garrafais que FUMAR MATA, mas só agora é que descobriram que se trata de um problema de saúde pública!
Curiosamente, houve pessoas a perguntar se deviam deixar de fumar essas marcas, como se fizesse alguma diferença o suicídio com cianeto, dialdrina ou nitrosaminas...
Durante os últimos 50 anos, foi acumulada uma enorme quantidade de provas resultantes de intensa investigação que demonstraram que o fumo do tabaco provoca bronquite crónica, efisema pulmonar, doenças do coração e cancro do pulmão. As primeiras substâncias identificadas no fumo do tabaco (em 1950) que poderiam ser a causa da sua perigosidade para o fumador foram os hidrocarbonetos aromáticos polinucleares, como o benzopireno, que se sabe causarem tumores em animais testados no laboratório. Na década de 50 identificaram-se mais oito dezenas de compostos, muitos deles cancerígenos e, em 1976, encontraram-se 48 compostos aromáticos, incluindo o dibenzofurano e benzopirenos, os terríveis compostos que o Governo receava resultarem da co-incineração e que os fumadores alojam descontraidamente nos seus pulmões.
Nos anos 60, descobriram-se no fumo do tabaco as nitrosaminas, que constituem um grupo de compostos altamente cancerígenos. À medida que os métodos físico-químicos de análise se foram desenvolvendo (em especial a cromatografia em fase gasosa e a cromatografia em fase líquida de alta eficiência) a constituição do fumo do tabaco pode ser conhecida em maior extensão e, presentemente, conhecem-se cerca de 4800 compostos, muitos deles tóxicos, muitos cancerígenos, alguns suspeitos de ser cancerígenos, alguns promotores de tumores e outros, ainda, co-cancerígenos.
Todas as tentativas para remoção do fumo do tabaco dos compostos adversos à saúde foram infrutíferas. A conclusão dos especialistas é que a única solução para eliminar os riscos de cancros e de outras doenças graves associadas ao tabaco é deixar de fumar.
Contendo o fumo do tabaco tantos compostos cancerígenos, é notável que só agora tenham descoberto que se trata de um caso de saúde pública! Quando irão retirar do mercado todas as marcas de cigarros? Muito me admira que os "media" não tenham ainda noticiado que as laranjas do Algarve contêm o E300, os limões do Minho o E330 e as águas gasosas naturais o E290, já não falando no terrível óxido de hidrogénio...
Esta história faz-me lembrar o alarme que causaria o encontro de um canivete no bolso de um criminoso armado de catana...
Carlos Corrêa
Professor Catedrático da Faculdade de Ciências do Porto
Monday, November 22, 2004
É Preciso Acalmar a Fúria de Sucessivas Reformas no Ensino Por MARIA DO CARMO VIEIRA
Público
Segunda-feira, 22 de Novembro de 2004
Aqueles que são ignorantes são fáceis de conduzir
Robert Schumann
Lecciono numa das "piores" Escolas do País e confesso que me é penoso escrever, ler ou ouvir tal avaliação, que estigmatiza toda uma comunidade escolar e a humilha perante todos. É certo que me "levanto", arrastando nesse gesto, que me exijo, todos os meus alunos que, embora frequentem o Ensino Recorrente Nocturno, se sentem profundamente atingidos na sua dignidade. Muitos, recentemente, me confessaram recear a pergunta sobre a Escola que frequentavam e eu própria interrogada, a esse propósito, por uma aluna do 8º ano do Colégio dos Maristas em Lisboa (6º lugar), tive uma primeira reacção de silêncio, sentindo o tumulto da confusão dentro de mim. Posso garantir, no entanto, que não serão as listas que me farão sair da Escola onde criei raízes e de onde guardo as melhores recordações da minha vida de professora de Português e Francês, todas elas povoadas de alunos, dos seus gestos, atitudes, intervenções, cartas, casamentos, filhos, a quem, por exemplo, se pôs o nome de personagens de romances estudados, nas aulas, ou de amadas de poetas, relembrando o de Lídia, a quem Ricardo Reis-Fernando Pessoa se dirigiu, em tantas das suas odes.
Não me poderia ser também indiferente o facto desta Escola acumular 120 anos de história e um património, que nos fala de um Tempo, da qualidade de um Ensino, da Competência e da Criatividade dos seus alunos e dos seus Mestres, um dos quais exige ser mencionado - Leopoldo Battistini, que aliás deu o nome ao museu da Escola, carinhosamente montado e organizado pelos colegas, Alice Lázaro, professora de História, e António Ambrósio, professor de Educação Visual. Nós, os da Marquês de Pombal, temos o privilégio diário de cruzar o passado com o presente, ora contemplando a delicadeza de peças desenhadas e executadas pelos antigos alunos, ora utilizando-as nas oficinas e noutros espaços, apreciando a perfeição da obra realizada, ora ainda quando saudamos em silêncio os que são a imagem do outrora, retidos em grandes fotografias fixas ao longo da escadaria, que dá acesso às salas de aulas. Temos ainda o orgulho de contactar com a Associação dos Antigos Alunos, a funcionar de forma muito dinâmica e cujo espaço deveria ser mais amplamente divulgado pelo recheio patrimonial que guarda.
Será talvez devido a esta relação de amizade, que criámos com a Escola e com o seu espaço, que não gostamos de assistir ao esvoaçar desenfreado dos jornalistas, na mira das escolas extremadas nos "rankings"; muito menos suportamos que os Conselhos Executivos justifiquem ostensivamente, sem o mínimo de respeito pela privacidade dos seus alunos, que "eles vêm do campo", que "há problemas de alcoolismo em algumas famílias", que a maior parte "tem de ajudar os pais nas diferentes lides rurais", ou que "os recursos financeiros são fracos" ou ainda "que vivem em barracas" ou que "são filhos de emigrantes". Respostas que já conhecíamos do ano passado e que serão as mesmas do próximo ano, porque na realidade nada se faz para alterar seja que situação for. É pura falta de decência da parte de quem assim se tenta libertar de responsabilidades, rebaixando-se e arrastando toda a Escola, e de quem anseia pelo espectáculo do miserabilismo, tão em voga em manuais, em programas, em certas pedagogias e, obviamente, até à náusea, na televisão e também na Rádio. Um problema grave de contágio que se instalou já como epidemia.
As listas que tão afincadamente o director do jornal PÚBLICO exigiu dar ao país, em nome de uma melhor educação e de uma merecida liberdade para os encarregados de educação, fazem lembrar a Escola Primária do meu tempo (1958) em que, ao ritmo da voz aflautada de uma professora, catraios de 6, 7, 8 ou 9 anos, avançavam ora rápida ora envergonhadamente para a fila que lhes era apontada e designada por Ouro, Prata, Cobre ou Ferro. Não será necessário dizer quem eram os que ocupavam o seu lugar em passo de dança, ou os que de cabeça baixa e num andar desajeitado se fechavam no espaço da humilhação. Era assim no meu tempo e assim continua. Estranho, não acham?
Se queremos efectivamente investir na qualidade do Ensino, creio que será necessário parar para reflectir. Há, com efeito, que:
1. Acalmar a fúria de sucessivas reformas, nunca avaliadas nos seus efeitos, e que desatinam professores e alunos. Como se explica por exemplo que os autores desta nova Reforma, sempre tão preocupados com "o prazer dos alunos", considerassem pedagógico o número de disciplinas (15, não é engano, é mesmo quinze) e que preenchem de manhã à noite, com furos à mistura, os horários dos alunos do 3º Ciclo (7º, 8º e 9º anos)? Ou os blocos de 90 minutos para as aulas de Português, e outras disciplinas afins, sabendo-se de antemão que é limitada a nossa capacidade de atenção?
2. Exigir a qualidades dos manuais, atitude negligenciada pelo próprio Ministério e, infelizmente, por muitos professores, que aceitam passivamente, sem qualquer espírito crítico, tudo o que lhes é oferecido. No caso dos novos programas da disciplina de Português custa, ver a indiferença de muitos colegas ao facto da literatura ser apresentada como um mero tipo de texto, entre outros. Será que desconhecem que a literatura é uma arte? Só isso poderá explicar que num manual do 11º ano apareça uma sequência de aprendizagem, assim sumariada: Editorial, Poesia de Cesário Verde, Publicidade, Reclamação, Artigo Crítico.
3. Recusar a "formatação" do acto de ensinar, atitude bem expressa nos novos programas de Língua Portuguesa, na organização e conteúdo de muitos manuais e na formação que pretende "ensinar os professores a aplicar os novos programas".
Como podemos aceitar, com tanta docilidade, que nos asfixiem a atitude de "estudante", que qualquer professor deve conservar ao longo da vida, e nos transformem em cassetes portáteis?
Professora
Segunda-feira, 22 de Novembro de 2004
Aqueles que são ignorantes são fáceis de conduzir
Robert Schumann
Lecciono numa das "piores" Escolas do País e confesso que me é penoso escrever, ler ou ouvir tal avaliação, que estigmatiza toda uma comunidade escolar e a humilha perante todos. É certo que me "levanto", arrastando nesse gesto, que me exijo, todos os meus alunos que, embora frequentem o Ensino Recorrente Nocturno, se sentem profundamente atingidos na sua dignidade. Muitos, recentemente, me confessaram recear a pergunta sobre a Escola que frequentavam e eu própria interrogada, a esse propósito, por uma aluna do 8º ano do Colégio dos Maristas em Lisboa (6º lugar), tive uma primeira reacção de silêncio, sentindo o tumulto da confusão dentro de mim. Posso garantir, no entanto, que não serão as listas que me farão sair da Escola onde criei raízes e de onde guardo as melhores recordações da minha vida de professora de Português e Francês, todas elas povoadas de alunos, dos seus gestos, atitudes, intervenções, cartas, casamentos, filhos, a quem, por exemplo, se pôs o nome de personagens de romances estudados, nas aulas, ou de amadas de poetas, relembrando o de Lídia, a quem Ricardo Reis-Fernando Pessoa se dirigiu, em tantas das suas odes.
Não me poderia ser também indiferente o facto desta Escola acumular 120 anos de história e um património, que nos fala de um Tempo, da qualidade de um Ensino, da Competência e da Criatividade dos seus alunos e dos seus Mestres, um dos quais exige ser mencionado - Leopoldo Battistini, que aliás deu o nome ao museu da Escola, carinhosamente montado e organizado pelos colegas, Alice Lázaro, professora de História, e António Ambrósio, professor de Educação Visual. Nós, os da Marquês de Pombal, temos o privilégio diário de cruzar o passado com o presente, ora contemplando a delicadeza de peças desenhadas e executadas pelos antigos alunos, ora utilizando-as nas oficinas e noutros espaços, apreciando a perfeição da obra realizada, ora ainda quando saudamos em silêncio os que são a imagem do outrora, retidos em grandes fotografias fixas ao longo da escadaria, que dá acesso às salas de aulas. Temos ainda o orgulho de contactar com a Associação dos Antigos Alunos, a funcionar de forma muito dinâmica e cujo espaço deveria ser mais amplamente divulgado pelo recheio patrimonial que guarda.
Será talvez devido a esta relação de amizade, que criámos com a Escola e com o seu espaço, que não gostamos de assistir ao esvoaçar desenfreado dos jornalistas, na mira das escolas extremadas nos "rankings"; muito menos suportamos que os Conselhos Executivos justifiquem ostensivamente, sem o mínimo de respeito pela privacidade dos seus alunos, que "eles vêm do campo", que "há problemas de alcoolismo em algumas famílias", que a maior parte "tem de ajudar os pais nas diferentes lides rurais", ou que "os recursos financeiros são fracos" ou ainda "que vivem em barracas" ou que "são filhos de emigrantes". Respostas que já conhecíamos do ano passado e que serão as mesmas do próximo ano, porque na realidade nada se faz para alterar seja que situação for. É pura falta de decência da parte de quem assim se tenta libertar de responsabilidades, rebaixando-se e arrastando toda a Escola, e de quem anseia pelo espectáculo do miserabilismo, tão em voga em manuais, em programas, em certas pedagogias e, obviamente, até à náusea, na televisão e também na Rádio. Um problema grave de contágio que se instalou já como epidemia.
As listas que tão afincadamente o director do jornal PÚBLICO exigiu dar ao país, em nome de uma melhor educação e de uma merecida liberdade para os encarregados de educação, fazem lembrar a Escola Primária do meu tempo (1958) em que, ao ritmo da voz aflautada de uma professora, catraios de 6, 7, 8 ou 9 anos, avançavam ora rápida ora envergonhadamente para a fila que lhes era apontada e designada por Ouro, Prata, Cobre ou Ferro. Não será necessário dizer quem eram os que ocupavam o seu lugar em passo de dança, ou os que de cabeça baixa e num andar desajeitado se fechavam no espaço da humilhação. Era assim no meu tempo e assim continua. Estranho, não acham?
Se queremos efectivamente investir na qualidade do Ensino, creio que será necessário parar para reflectir. Há, com efeito, que:
1. Acalmar a fúria de sucessivas reformas, nunca avaliadas nos seus efeitos, e que desatinam professores e alunos. Como se explica por exemplo que os autores desta nova Reforma, sempre tão preocupados com "o prazer dos alunos", considerassem pedagógico o número de disciplinas (15, não é engano, é mesmo quinze) e que preenchem de manhã à noite, com furos à mistura, os horários dos alunos do 3º Ciclo (7º, 8º e 9º anos)? Ou os blocos de 90 minutos para as aulas de Português, e outras disciplinas afins, sabendo-se de antemão que é limitada a nossa capacidade de atenção?
2. Exigir a qualidades dos manuais, atitude negligenciada pelo próprio Ministério e, infelizmente, por muitos professores, que aceitam passivamente, sem qualquer espírito crítico, tudo o que lhes é oferecido. No caso dos novos programas da disciplina de Português custa, ver a indiferença de muitos colegas ao facto da literatura ser apresentada como um mero tipo de texto, entre outros. Será que desconhecem que a literatura é uma arte? Só isso poderá explicar que num manual do 11º ano apareça uma sequência de aprendizagem, assim sumariada: Editorial, Poesia de Cesário Verde, Publicidade, Reclamação, Artigo Crítico.
3. Recusar a "formatação" do acto de ensinar, atitude bem expressa nos novos programas de Língua Portuguesa, na organização e conteúdo de muitos manuais e na formação que pretende "ensinar os professores a aplicar os novos programas".
Como podemos aceitar, com tanta docilidade, que nos asfixiem a atitude de "estudante", que qualquer professor deve conservar ao longo da vida, e nos transformem em cassetes portáteis?
Professora
Sunday, November 21, 2004
Provocações Por ANTÓNIO BARRETO
Público
Domingo, 21 de Novembro de 2004
Um hino ridículo. Vacuidade esculpida nos palanques: "Verdade", "Confiança" e "Geração Portugal". Meninos e meninas, clones dos "Pioneiros" e dos "Lusitos", de laranja uniformizados. Palcos de bancadas sorumbáticas para a Nomenclatura. Ausentes de peso, a sugerir que estava terminada a mais radical decapitação da inteligência do partido. "Videoclips" de filhos comovedores. Lágrimas de função. Voz embargada a propósito. Proclamações de elevada densidade política: "Eu adoro Portugal! Nós adoramos Portugal"! Demagogia para o país e emoções para o partido. Fez-se a entronização do líder, devidamente legitimado por percentagens orientais. À falta de grandes duelos, habituais com o partido na oposição, o Congresso do PSD acabou por se distinguir pelas provocações que dele saíram. A primeira, a menos notada, mas a mais dura, tinha Jorge Sampaio como destino. A segunda dirigia-se a Cavaco Silva. A terceira, perversa, visava Paulo Portas e o CDS-PP.
Santana Lopes sabe, desde a tomada de posse como Primeiro-ministro, que o Presidente da República o colocou sob vigilância. É uma nova interpretação, ou antes, um novo estilo constitucional, tão legítimo como outros. Já várias vezes o Presidente alertou para eventuais desvios de acção e inspiração. Entre as condições de investidura, estavam a fidelidade ao programa do governo anterior, sufragado pelo eleitorado, assim como a consistência da política financeira. Com este orçamento e com as suas declarações durante o Congresso, Santana Lopes disse ao Presidente, directamente: não terei mais em conta as considerações então formuladas. É assim a segunda vez que desafia o Presidente a encetar uma qualquer acção contra si. Não se trata apenas de dar alegria às bases do partido. Nem só de se libertar da austeridade a fim de se preparar para as eleições. É muito mais do que isso. Santana sabe que tudo corre contra ele, desde a popularidade até às dificuldades da política, passando pela situação económica, financeira e social. Julga que só terá uma oportunidade de competir e eventualmente ganhar as legislativas se for tido como vítima e objecto de ataques do Presidente socialista. Está convencido de que só demitido à força poderá apresentar-se da maneira como sabe e gosta, com ar de vítima inocente, tal donzela ferida ou cavaleiro impoluto, com lágrimas e ranger de dentes e, já agora, com um inimigo a abater. Parece um forcado, no meio da praça, de mãos nas ancas: "Demita-me, senhor Presidente!".
Nada o autoriza a dar por encerrada a austeridade. Não há sinais de retoma segura e sustentada. O emprego, o investimento, a produção, o défice, a produtividade, a balança comercial, o ritmo das exportações, o endividamento e a situação económica internacional apenas aconselham a que se mantenha o clima de severidade e rigor nas finanças públicas. Mesmo assim, contra toda a evidência, contra o parecer de instituições credíveis, contra as opiniões dos especialistas, incluindo muitos do seu próprio partido, Santana Lopes decretou o fim da austeridade. Com duas intenções. Uma, a de provocar o Presidente. Outra, a de se autorizar a gastar o que for preciso para tentar ganhar eleições. E o desgraçado país que viva as consequências da demagogia.
Santana Lopes não suporta a ideia de ter Cavaco Silva como Presidente da República. Não se gostam, é sabido. Não se entendem, é conhecido. Têm dois estilos, dois métodos, duas maneiras de ser, duas visões do mundo e duas poses em perfeita oposição. Nada disso, que é muito, bastaria para criar uma verdadeira incompatibilidade entre eles. Os problemas são outros. Cavaco Silva é actualmente o rival claro na popularidade dentro do PSD. Os únicos alérgicos ao professor de economia são os adjuntos e próximos companheiros de Santana Lopes, sempre zelosos no excesso. Cavaco também é mais popular no eleitorado. O que, para alguém em permanente carência de afectos, não é muito agradável. Pior que tudo: Cavaco Silva, em Belém, seria uma fonte de racionalidade na política, um travão à demagogia, um filtro de trapalhices e um obstáculo à tropelia. Com a vantagem, diante da opinião, de não pertencer à oposição, de não vir de um partido rival. Santana Lopes sentir-se-ia mais ameaçado pelo seu "companheiro" social-democrata, do que por um socialista, previsível força de bloqueio. Eis por que faz a Cavaco Silva uma proposta que ele não pode aceitar: a de fazer com que a sua candidatura saia das alfurjas do partido.
Finalmente, Paulo Portas e o PP. Santana Lopes gostaria de decidir sozinho e na última hora se faz ou não coligação, se leva ou não o governo até ao fim da legislatura, se dispensa o PP mas guarda o governo. Como é evidente, tudo fará para empalmar o parceiro, para o despedir na véspera das eleições, mas terá de ser em seu tempo e com as suas conveniências. Não lhe convém abrir uma polémica agora. Nem lhe interessava que fosse o partido, as tão glorificadas bases do PSD, a dizer-lhe o que deve fazer. Mas as bases disseram mesmo e o seu desconforto foi evidente. Pior, o PP ouviu e percebeu. Se não reage, está perdido. Se reage, perdido está. Terá de estudar muito bem a estratégia e pensar num método que lhe salve a vida. Se sai do governo, como deveria, para preparar as suas eleições "contra" o PSD (onde irá este partido buscar eleitores, se não ali?), corre o risco de ser varrido. Se fica no governo, mas não tem coligação garantida, não obterá votos que cheguem, podendo vir a ser dispensável. O que lhe interessa é apenas ficar no governo até ao fim e obter a coligação eleitoral que lhe evite ser contado. Ou sair já.
Santana Lopes queria um poleiro, mas saiu-lhe um pelouro. Ainda por cima, o pior, o de Primeiro-Ministro, aquele que, entre todos, exige mais trabalho, seriedade, contenção, responsabilidade, conhecimento, concentração e firmeza no propósito. Habituado (e talentoso...) a ser candidato a tudo, seja o que for, fica-lhe mal ter chegado e não ter nova candidatura à vista. Este homem, em seu tempo e para alguns, um divertido "troublemaker", transforma-se em perigoso provocador. Mas atenção! Quem reagir primariamente às suas provocações está a prestar-lhe grande serviço. Quem não reagir de todo, está a dar-lhe os meios de que necessita para atingir os seus objectivos. Apesar de não parecer, o homem sabe o que está a fazer. Poderá não saber governar, mas, para estas coisas, tem jeito.
Domingo, 21 de Novembro de 2004
Um hino ridículo. Vacuidade esculpida nos palanques: "Verdade", "Confiança" e "Geração Portugal". Meninos e meninas, clones dos "Pioneiros" e dos "Lusitos", de laranja uniformizados. Palcos de bancadas sorumbáticas para a Nomenclatura. Ausentes de peso, a sugerir que estava terminada a mais radical decapitação da inteligência do partido. "Videoclips" de filhos comovedores. Lágrimas de função. Voz embargada a propósito. Proclamações de elevada densidade política: "Eu adoro Portugal! Nós adoramos Portugal"! Demagogia para o país e emoções para o partido. Fez-se a entronização do líder, devidamente legitimado por percentagens orientais. À falta de grandes duelos, habituais com o partido na oposição, o Congresso do PSD acabou por se distinguir pelas provocações que dele saíram. A primeira, a menos notada, mas a mais dura, tinha Jorge Sampaio como destino. A segunda dirigia-se a Cavaco Silva. A terceira, perversa, visava Paulo Portas e o CDS-PP.
Santana Lopes sabe, desde a tomada de posse como Primeiro-ministro, que o Presidente da República o colocou sob vigilância. É uma nova interpretação, ou antes, um novo estilo constitucional, tão legítimo como outros. Já várias vezes o Presidente alertou para eventuais desvios de acção e inspiração. Entre as condições de investidura, estavam a fidelidade ao programa do governo anterior, sufragado pelo eleitorado, assim como a consistência da política financeira. Com este orçamento e com as suas declarações durante o Congresso, Santana Lopes disse ao Presidente, directamente: não terei mais em conta as considerações então formuladas. É assim a segunda vez que desafia o Presidente a encetar uma qualquer acção contra si. Não se trata apenas de dar alegria às bases do partido. Nem só de se libertar da austeridade a fim de se preparar para as eleições. É muito mais do que isso. Santana sabe que tudo corre contra ele, desde a popularidade até às dificuldades da política, passando pela situação económica, financeira e social. Julga que só terá uma oportunidade de competir e eventualmente ganhar as legislativas se for tido como vítima e objecto de ataques do Presidente socialista. Está convencido de que só demitido à força poderá apresentar-se da maneira como sabe e gosta, com ar de vítima inocente, tal donzela ferida ou cavaleiro impoluto, com lágrimas e ranger de dentes e, já agora, com um inimigo a abater. Parece um forcado, no meio da praça, de mãos nas ancas: "Demita-me, senhor Presidente!".
Nada o autoriza a dar por encerrada a austeridade. Não há sinais de retoma segura e sustentada. O emprego, o investimento, a produção, o défice, a produtividade, a balança comercial, o ritmo das exportações, o endividamento e a situação económica internacional apenas aconselham a que se mantenha o clima de severidade e rigor nas finanças públicas. Mesmo assim, contra toda a evidência, contra o parecer de instituições credíveis, contra as opiniões dos especialistas, incluindo muitos do seu próprio partido, Santana Lopes decretou o fim da austeridade. Com duas intenções. Uma, a de provocar o Presidente. Outra, a de se autorizar a gastar o que for preciso para tentar ganhar eleições. E o desgraçado país que viva as consequências da demagogia.
Santana Lopes não suporta a ideia de ter Cavaco Silva como Presidente da República. Não se gostam, é sabido. Não se entendem, é conhecido. Têm dois estilos, dois métodos, duas maneiras de ser, duas visões do mundo e duas poses em perfeita oposição. Nada disso, que é muito, bastaria para criar uma verdadeira incompatibilidade entre eles. Os problemas são outros. Cavaco Silva é actualmente o rival claro na popularidade dentro do PSD. Os únicos alérgicos ao professor de economia são os adjuntos e próximos companheiros de Santana Lopes, sempre zelosos no excesso. Cavaco também é mais popular no eleitorado. O que, para alguém em permanente carência de afectos, não é muito agradável. Pior que tudo: Cavaco Silva, em Belém, seria uma fonte de racionalidade na política, um travão à demagogia, um filtro de trapalhices e um obstáculo à tropelia. Com a vantagem, diante da opinião, de não pertencer à oposição, de não vir de um partido rival. Santana Lopes sentir-se-ia mais ameaçado pelo seu "companheiro" social-democrata, do que por um socialista, previsível força de bloqueio. Eis por que faz a Cavaco Silva uma proposta que ele não pode aceitar: a de fazer com que a sua candidatura saia das alfurjas do partido.
Finalmente, Paulo Portas e o PP. Santana Lopes gostaria de decidir sozinho e na última hora se faz ou não coligação, se leva ou não o governo até ao fim da legislatura, se dispensa o PP mas guarda o governo. Como é evidente, tudo fará para empalmar o parceiro, para o despedir na véspera das eleições, mas terá de ser em seu tempo e com as suas conveniências. Não lhe convém abrir uma polémica agora. Nem lhe interessava que fosse o partido, as tão glorificadas bases do PSD, a dizer-lhe o que deve fazer. Mas as bases disseram mesmo e o seu desconforto foi evidente. Pior, o PP ouviu e percebeu. Se não reage, está perdido. Se reage, perdido está. Terá de estudar muito bem a estratégia e pensar num método que lhe salve a vida. Se sai do governo, como deveria, para preparar as suas eleições "contra" o PSD (onde irá este partido buscar eleitores, se não ali?), corre o risco de ser varrido. Se fica no governo, mas não tem coligação garantida, não obterá votos que cheguem, podendo vir a ser dispensável. O que lhe interessa é apenas ficar no governo até ao fim e obter a coligação eleitoral que lhe evite ser contado. Ou sair já.
Santana Lopes queria um poleiro, mas saiu-lhe um pelouro. Ainda por cima, o pior, o de Primeiro-Ministro, aquele que, entre todos, exige mais trabalho, seriedade, contenção, responsabilidade, conhecimento, concentração e firmeza no propósito. Habituado (e talentoso...) a ser candidato a tudo, seja o que for, fica-lhe mal ter chegado e não ter nova candidatura à vista. Este homem, em seu tempo e para alguns, um divertido "troublemaker", transforma-se em perigoso provocador. Mas atenção! Quem reagir primariamente às suas provocações está a prestar-lhe grande serviço. Quem não reagir de todo, está a dar-lhe os meios de que necessita para atingir os seus objectivos. Apesar de não parecer, o homem sabe o que está a fazer. Poderá não saber governar, mas, para estas coisas, tem jeito.
Tuesday, November 16, 2004
Alto Astral Por JOSÉ VITOR MALHEIROS
Público
Terça-feira, 16 de Novembro de 2004
"Eu quero que o país vá subindo no seu astral!" Estas palavras de Santana Lopes, proferidas do púlpito no discurso de encerramento do último congresso do PPD-PSD-PSL, são o que se chama um grito de alma. Não é "Cogito ergo sum", nem "I have a dream", mas cada nação produz o que produz. No nosso caso é mais bolos.
Não fique preocupado, se não souber ao certo o que é "o astral". Uma breve consulta ao "Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea" da Academia das Ciências de Lisboa explica que a expressão (para além de querer dizer "relativo aos astros" quando é usada como adjectivo, mas não é isso que interessa) vem da teosofia e do ocultismo e descreve o "plano intermediário entre o físico e o espiritual, povoado de almas e espíritos, só observado pelos videntes e hipnóticos" ou a "parte fluida do ser humano, intermediária entre o corpo físico e a alma". Claro que a expressão vem do Brasil, onde, ainda segundo o DLPC, quer dizer "disposição de espírito" ou "humor". De onde vem este significado? Você tá bobo, cara? De astro mesmo, né? Todo mundo sabe que humor e amor é coisa de astro, são eles que ficam colocando a gente nesse plano ou no outro e sobem ou baixam o astrau da gente. Não sabia mesmo? Santana sabe.
Outro primeiro-ministro poderia ter falado de brio, de projecto, de ânimo, de sonho, de ambição, de futuro, de trabalho, de empenhamento, de desafio, mas Santana sabe falar ao povo na sua própria língua e saiu o astral!
Mas não se pense que saiu por acaso. O astral presta-se mais à banha da cobra do que o projecto e até do que o sonho, porque o astral não depende nem do trabalho (lagarto, lagarto), nem do desejo, nem sequer de nós. Só depende dos astros, dos deuses, dos alinhamentos siderais, dessa coisa etérea que é a coisa nenhuma. Nem é preciso querer, astral é astral, acontece à gente sem a gente querer. Além de que o astral é sentimental ("Me liga!"), tem a ver com destino, com coisas escritas nos céus com pozinho de estrelas e não exige nenhum mas nenhum esforço. Astrau é assim mesmo! Como se faz para melhorar o astral? Incríveu! Você não sabe? Relaxe! Nada melhor para o astrau! Não sabe como? Beba uma caipirinha. Duas!
O astral é ainda melhor do que a Nossa Senhora de Fátima (Paulo Portas foi definitivamente ultrapassado), porque é mais moderno, não fere susceptibilidades e não acarreta nenhuma obrigação. A Nossa Senhora é uma mãe severa que persevera, mas o austral é uma boa. A Nossa Senhora estava bem para os tempos de austeridade, mas a austeridade já era. Agora é o astral.
Desvendado o astral percebemos melhor o novo símbolo do PSD-PPD-PSL: é um satélite a ser colocado em órbita, em direcção aos astros, uma espécie de guerra das estrelas, mas para criar alinhamentos de Mercúrio com Vénus, para fortalecer o astral. Será que José Sócrates já percebeu que a sua ideia das novas fronteiras acaba de lhe ser roubada mesmo debaixo do nariz?
Depois do astral já percebemos porque é que a palavra de ordem do primeiro dia do congresso era "verdade" e a do segundo dia "confiança". É que, quando se prega a verdade, o povo pode ficar com ideia de que tem direito a alguma coisa e até pode começar a fazer perguntas, mas com a confiança não há riscos. Confie! Não pergunte, não diga, não duvide! Suba o astral! Relaxe. Deixe tudo na mão do PSLPSDPP. Beba mais uma caipirinha. Me liga!
Terça-feira, 16 de Novembro de 2004
"Eu quero que o país vá subindo no seu astral!" Estas palavras de Santana Lopes, proferidas do púlpito no discurso de encerramento do último congresso do PPD-PSD-PSL, são o que se chama um grito de alma. Não é "Cogito ergo sum", nem "I have a dream", mas cada nação produz o que produz. No nosso caso é mais bolos.
Não fique preocupado, se não souber ao certo o que é "o astral". Uma breve consulta ao "Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea" da Academia das Ciências de Lisboa explica que a expressão (para além de querer dizer "relativo aos astros" quando é usada como adjectivo, mas não é isso que interessa) vem da teosofia e do ocultismo e descreve o "plano intermediário entre o físico e o espiritual, povoado de almas e espíritos, só observado pelos videntes e hipnóticos" ou a "parte fluida do ser humano, intermediária entre o corpo físico e a alma". Claro que a expressão vem do Brasil, onde, ainda segundo o DLPC, quer dizer "disposição de espírito" ou "humor". De onde vem este significado? Você tá bobo, cara? De astro mesmo, né? Todo mundo sabe que humor e amor é coisa de astro, são eles que ficam colocando a gente nesse plano ou no outro e sobem ou baixam o astrau da gente. Não sabia mesmo? Santana sabe.
Outro primeiro-ministro poderia ter falado de brio, de projecto, de ânimo, de sonho, de ambição, de futuro, de trabalho, de empenhamento, de desafio, mas Santana sabe falar ao povo na sua própria língua e saiu o astral!
Mas não se pense que saiu por acaso. O astral presta-se mais à banha da cobra do que o projecto e até do que o sonho, porque o astral não depende nem do trabalho (lagarto, lagarto), nem do desejo, nem sequer de nós. Só depende dos astros, dos deuses, dos alinhamentos siderais, dessa coisa etérea que é a coisa nenhuma. Nem é preciso querer, astral é astral, acontece à gente sem a gente querer. Além de que o astral é sentimental ("Me liga!"), tem a ver com destino, com coisas escritas nos céus com pozinho de estrelas e não exige nenhum mas nenhum esforço. Astrau é assim mesmo! Como se faz para melhorar o astral? Incríveu! Você não sabe? Relaxe! Nada melhor para o astrau! Não sabe como? Beba uma caipirinha. Duas!
O astral é ainda melhor do que a Nossa Senhora de Fátima (Paulo Portas foi definitivamente ultrapassado), porque é mais moderno, não fere susceptibilidades e não acarreta nenhuma obrigação. A Nossa Senhora é uma mãe severa que persevera, mas o austral é uma boa. A Nossa Senhora estava bem para os tempos de austeridade, mas a austeridade já era. Agora é o astral.
Desvendado o astral percebemos melhor o novo símbolo do PSD-PPD-PSL: é um satélite a ser colocado em órbita, em direcção aos astros, uma espécie de guerra das estrelas, mas para criar alinhamentos de Mercúrio com Vénus, para fortalecer o astral. Será que José Sócrates já percebeu que a sua ideia das novas fronteiras acaba de lhe ser roubada mesmo debaixo do nariz?
Depois do astral já percebemos porque é que a palavra de ordem do primeiro dia do congresso era "verdade" e a do segundo dia "confiança". É que, quando se prega a verdade, o povo pode ficar com ideia de que tem direito a alguma coisa e até pode começar a fazer perguntas, mas com a confiança não há riscos. Confie! Não pergunte, não diga, não duvide! Suba o astral! Relaxe. Deixe tudo na mão do PSLPSDPP. Beba mais uma caipirinha. Me liga!
Saturday, November 06, 2004
God Bless America! Por MIGUEL SOUSA TAVARES
Público
Sexta-feira, 05 de Novembro de 2004
uem me lê regularmente sabe que desde há muito, creio que mesmo desde antes do 11 de Setembro de 2001, fui antevendo a reeleição de Bush. Na verdade, só tive algumas ligeiras dúvidas na própria terça-feira, quando os números inabituais de afluência às urnas nos Estados Unidos pareciam indiciar uma recuperação de última hora do campo democrata - se, como o previam os analistas, novos eleitores significassem mais eleitores democratas. Mas os analistas estavam errados: os novos eleitores votaram, afinal, maioritariamente nos republicanos, confirmando a tendência nacional a que Nixon chamou "a maioria silenciosa" que, quando fala, fala à direita.
O que se passou terça-feira nos Estados Unidos foi a consumação de um lento mas seguro deslizar da América para longe dos valores liberais que durante mais de duzentos anos foram responsáveis pela construção do mito da "land of the free". Desde que visitei pela primeira vez os Estados Unidos, em 1976, numa longa viagem de automóvel e "roulotte", costa a costa, muitas coisas mudaram no coração desse país que então me fascinou e seduziu. Mesmo nos estados do Sul, hoje, como tradicionalmente, bastião dos valores conservadores, respirava-se uma atmosfera de espaço, de liberdade e de respeito pela identidade e diferença alheia, que reflectiam afinal um outro valor intrínseco ao "cowboy country" e com o qual o Sul foi desbravado e construído: o direito de cada um escolher o seu caminho e a sua forma de estar e de viver, não incomodando os outros e sem que os outros o incomodassem. Julgo que o que mudou essencialmente, desde então, foi isso mesmo: uma maioria, dita "moral" e reclamando-se de uma legitimidade concedida por Deus, decretou um catálogo de pretensas virtudes a que chamam "valores" e que, aos poucos, foram impondo a toda a América e pretendendo impor a todo o mundo.
Essa revolução subterrânea da direita americana foi transformando os Estados Unidos num Estado confessional, exigindo do governo federal ou dos governos estaduais um papel de vigilante da moral e das virtudes que têm como boas e únicas aceitáveis. Lembro-me de, perante a ironia condescendente, começar a escrever sobre isto a propósito da perseguição aos fumadores - que, sob a capa de um caso de saúde pública, era, de facto e como o declarou sem subterfúgios uma comissão de inquérito do Congresso, "a moral issue". O problema não estava no facto de o maior produtor e vendedor de tabaco no mundo pretender, contraditoriamente, perseguir o consumo de tabaco. O problema principal era e é o carácter de cruzada da virtude contra o vício de que essa política se revestiu. Seguiu-se a cruzada igualmente moralista contra o "sexual arressment", uma e outra campanha conseguindo a perversão cívica de converter multidões de cidadãos banais em vigilantes da "moralidade" alheia. Uma nação de gente tolerante e liberal tem vindo lentamente a evoluir para uma nação de fiéis intransigentes, comandados por pregadores evangélicos. Não deixa de ser preocupante constatar que este é o sentido inverso em que tem evoluído, por exemplo, a sociedade civil do Irão dos "ayatholahs" - não há muito tempo atrás, no tempo de Jimmy Carter, visto como o país cujos valores e fundamentação religiosa do poder mais contrariavam os valores da democracia americana. Hoje, em 2004, as multidões que assistiam aos comícios de George Bush não gritavam "bravo!" nem "viva!", mas sim "amen" e "aleluia". Num momento de maior entusiasmo, o próprio Bush sentiu-se autorizado a declarar que às vezes "falava com Deus". Não admira que o Papa e Buttiglione, assim como os dirigentes teocráticos do Irão e a Casa de Saud, fossem seus apoiantes.
Com o "affaire" Lewinsky (para o qual os próprios democratas se deixaram arrastar sem medir as consequências da gravidade do que, antes de mais, estava em jogo - o direito à intimidade da vida pessoal de cada um, seja Presidente ou emigrante clandestino), a "maioria moral" dos Estados Unidos sentiu-se já suficientemente forte e incontestada para ditar as suas virtudes e leis ao próprio Presidente, castigando-o e humilhando-o aos olhos do mundo inteiro, com o autêntico apedrejamento em praça pública que foi a colocação na Internet dos mais íntimos detalhes da sua relação sexual com a jovem Lewinsky.
Em 2000, essa "maioria moral" - que, aritmeticamente, estava quase a sê-lo mas ainda não o era - teve de recorrer à batota na contagem de votos e à colaboração da maioria de extrema-direita do Supremo Tribunal para conseguir eleger o seu Presidente. Em quatro anos de mandato, o seu Presidente revelou-se o mais incompetente de toda a história americana. Pôs a economia num caos, perdeu centenas de milhares de empregos, desfez o sistema de segurança social e ameaça transformar o direito ao ensino e à saúde num privilégio de ricos, meteu os Estados Unidos numa guerra e ocupação do país errado, sem saída à vista e apenas com benefício para os amigos e família do Presidente envolvidos nos negócio de armas e de petróleo e, como o provou eloquentemente a provocadora aparição de Bin Laden quatro dias antes da eleição, não conseguiu qualquer progresso visível na luta contra o terrorismo, muito embora, para o tentar, tenha subvertido a lei internacional e a própria Constituição americana, em Guantanamo, nas prisões do Iraque, e mesmo em território americano, graças ao regime de suspensão de direitos civis instituído pelo "Patriot Act". E, sobre tudo isto, que são os resultados práticos da sua administração, confirmou ainda a sua imensa ignorância, o seu desnorte e paralisia em momentos de crise como o 11 de Setembro, a sua incapacidade de ter qualquer ideia que vá além da extensão de uma frase que caiba numa linha de teleponto, e a sua falta de escrúpulos em mentir olhos nos olhos, forjar provas, deturpar informações, censurar ou falsificar relatórios científicos, sempre e quando isso convier aos seus "valores". E foi por esses "valores" e nada mais que a crescente sociedade civil americana, que faz deles profissão de fé, o reelegeu - agora sem precisar sequer de fazer batota. Porque, hoje sim, eles são a maioria que vai desenhando a nova face da América, outrora liberal, e refazendo um mapa político que remete preocupantemente para o mapa anterior à Guerra da Secessão.
Ao contrário do que jubilosamente se apressou a dizer essa jovem secretária de Estado do PP, que era para ser da Defesa e acabou por ser da Cultura, a vitória de Bush não implica que "a esquerda americana e europeia tenham de rever os seus valores". Porque quem tem valores, quem verdadeiramente tem valores, não os revê por contingência ou conveniência eleitoral - e, ao menos nisso, Bush foi mais coerente do que nossa apressada secretária. Acontece, sim, é que os valores hoje dominantes na América não são os nossos - não apenas os da esquerda europeia, mas os de uma maioria substancial, sólida e antiga, de europeus que são tributários da história de Atenas e não da de Esparta. Perceba-o ou não a senhora, na Europa em que nos revemos, não discriminamos os homossexuais, não colocamos o aborto na clandestinidade, não defendemos que os ricos paguem os mesmos impostos que os pobres, não defendemos a liquidação da função social do Estado, não misturamos a política com Deus, não aceitamos o sistema penal de Guantanamo, não defendemos a pena de morte e, além do mais, não invocamos nenhum mandato moral ou divino para impor estes valores aos outros.
Em 1976, entre mim e o homem que comigo bebia um café numa bomba de gasolina junto a Flaggstaff, no Arizona, havia a crença comum de que a liberdade não era apenas aquela de que cada um de nós gozava, mas também a de que os outros, quaisquer outros, podiam gozar: a minha liberdade só existe enquanto existir a liberdade do outro. Hoje, seguramente que entre mim e o americano anónimo de Flaggstaff existem muito poucos valores comuns. Ele mudou os dele, eu não faço tenções de mudar os meus. Apenas, e embora seja parte ilegítima na matéria, anseio pelo dia em que a América volte a ser a pátria da liberdade. Porque tenho saudades de Flaggstaff.
Sexta-feira, 05 de Novembro de 2004
uem me lê regularmente sabe que desde há muito, creio que mesmo desde antes do 11 de Setembro de 2001, fui antevendo a reeleição de Bush. Na verdade, só tive algumas ligeiras dúvidas na própria terça-feira, quando os números inabituais de afluência às urnas nos Estados Unidos pareciam indiciar uma recuperação de última hora do campo democrata - se, como o previam os analistas, novos eleitores significassem mais eleitores democratas. Mas os analistas estavam errados: os novos eleitores votaram, afinal, maioritariamente nos republicanos, confirmando a tendência nacional a que Nixon chamou "a maioria silenciosa" que, quando fala, fala à direita.
O que se passou terça-feira nos Estados Unidos foi a consumação de um lento mas seguro deslizar da América para longe dos valores liberais que durante mais de duzentos anos foram responsáveis pela construção do mito da "land of the free". Desde que visitei pela primeira vez os Estados Unidos, em 1976, numa longa viagem de automóvel e "roulotte", costa a costa, muitas coisas mudaram no coração desse país que então me fascinou e seduziu. Mesmo nos estados do Sul, hoje, como tradicionalmente, bastião dos valores conservadores, respirava-se uma atmosfera de espaço, de liberdade e de respeito pela identidade e diferença alheia, que reflectiam afinal um outro valor intrínseco ao "cowboy country" e com o qual o Sul foi desbravado e construído: o direito de cada um escolher o seu caminho e a sua forma de estar e de viver, não incomodando os outros e sem que os outros o incomodassem. Julgo que o que mudou essencialmente, desde então, foi isso mesmo: uma maioria, dita "moral" e reclamando-se de uma legitimidade concedida por Deus, decretou um catálogo de pretensas virtudes a que chamam "valores" e que, aos poucos, foram impondo a toda a América e pretendendo impor a todo o mundo.
Essa revolução subterrânea da direita americana foi transformando os Estados Unidos num Estado confessional, exigindo do governo federal ou dos governos estaduais um papel de vigilante da moral e das virtudes que têm como boas e únicas aceitáveis. Lembro-me de, perante a ironia condescendente, começar a escrever sobre isto a propósito da perseguição aos fumadores - que, sob a capa de um caso de saúde pública, era, de facto e como o declarou sem subterfúgios uma comissão de inquérito do Congresso, "a moral issue". O problema não estava no facto de o maior produtor e vendedor de tabaco no mundo pretender, contraditoriamente, perseguir o consumo de tabaco. O problema principal era e é o carácter de cruzada da virtude contra o vício de que essa política se revestiu. Seguiu-se a cruzada igualmente moralista contra o "sexual arressment", uma e outra campanha conseguindo a perversão cívica de converter multidões de cidadãos banais em vigilantes da "moralidade" alheia. Uma nação de gente tolerante e liberal tem vindo lentamente a evoluir para uma nação de fiéis intransigentes, comandados por pregadores evangélicos. Não deixa de ser preocupante constatar que este é o sentido inverso em que tem evoluído, por exemplo, a sociedade civil do Irão dos "ayatholahs" - não há muito tempo atrás, no tempo de Jimmy Carter, visto como o país cujos valores e fundamentação religiosa do poder mais contrariavam os valores da democracia americana. Hoje, em 2004, as multidões que assistiam aos comícios de George Bush não gritavam "bravo!" nem "viva!", mas sim "amen" e "aleluia". Num momento de maior entusiasmo, o próprio Bush sentiu-se autorizado a declarar que às vezes "falava com Deus". Não admira que o Papa e Buttiglione, assim como os dirigentes teocráticos do Irão e a Casa de Saud, fossem seus apoiantes.
Com o "affaire" Lewinsky (para o qual os próprios democratas se deixaram arrastar sem medir as consequências da gravidade do que, antes de mais, estava em jogo - o direito à intimidade da vida pessoal de cada um, seja Presidente ou emigrante clandestino), a "maioria moral" dos Estados Unidos sentiu-se já suficientemente forte e incontestada para ditar as suas virtudes e leis ao próprio Presidente, castigando-o e humilhando-o aos olhos do mundo inteiro, com o autêntico apedrejamento em praça pública que foi a colocação na Internet dos mais íntimos detalhes da sua relação sexual com a jovem Lewinsky.
Em 2000, essa "maioria moral" - que, aritmeticamente, estava quase a sê-lo mas ainda não o era - teve de recorrer à batota na contagem de votos e à colaboração da maioria de extrema-direita do Supremo Tribunal para conseguir eleger o seu Presidente. Em quatro anos de mandato, o seu Presidente revelou-se o mais incompetente de toda a história americana. Pôs a economia num caos, perdeu centenas de milhares de empregos, desfez o sistema de segurança social e ameaça transformar o direito ao ensino e à saúde num privilégio de ricos, meteu os Estados Unidos numa guerra e ocupação do país errado, sem saída à vista e apenas com benefício para os amigos e família do Presidente envolvidos nos negócio de armas e de petróleo e, como o provou eloquentemente a provocadora aparição de Bin Laden quatro dias antes da eleição, não conseguiu qualquer progresso visível na luta contra o terrorismo, muito embora, para o tentar, tenha subvertido a lei internacional e a própria Constituição americana, em Guantanamo, nas prisões do Iraque, e mesmo em território americano, graças ao regime de suspensão de direitos civis instituído pelo "Patriot Act". E, sobre tudo isto, que são os resultados práticos da sua administração, confirmou ainda a sua imensa ignorância, o seu desnorte e paralisia em momentos de crise como o 11 de Setembro, a sua incapacidade de ter qualquer ideia que vá além da extensão de uma frase que caiba numa linha de teleponto, e a sua falta de escrúpulos em mentir olhos nos olhos, forjar provas, deturpar informações, censurar ou falsificar relatórios científicos, sempre e quando isso convier aos seus "valores". E foi por esses "valores" e nada mais que a crescente sociedade civil americana, que faz deles profissão de fé, o reelegeu - agora sem precisar sequer de fazer batota. Porque, hoje sim, eles são a maioria que vai desenhando a nova face da América, outrora liberal, e refazendo um mapa político que remete preocupantemente para o mapa anterior à Guerra da Secessão.
Ao contrário do que jubilosamente se apressou a dizer essa jovem secretária de Estado do PP, que era para ser da Defesa e acabou por ser da Cultura, a vitória de Bush não implica que "a esquerda americana e europeia tenham de rever os seus valores". Porque quem tem valores, quem verdadeiramente tem valores, não os revê por contingência ou conveniência eleitoral - e, ao menos nisso, Bush foi mais coerente do que nossa apressada secretária. Acontece, sim, é que os valores hoje dominantes na América não são os nossos - não apenas os da esquerda europeia, mas os de uma maioria substancial, sólida e antiga, de europeus que são tributários da história de Atenas e não da de Esparta. Perceba-o ou não a senhora, na Europa em que nos revemos, não discriminamos os homossexuais, não colocamos o aborto na clandestinidade, não defendemos que os ricos paguem os mesmos impostos que os pobres, não defendemos a liquidação da função social do Estado, não misturamos a política com Deus, não aceitamos o sistema penal de Guantanamo, não defendemos a pena de morte e, além do mais, não invocamos nenhum mandato moral ou divino para impor estes valores aos outros.
Em 1976, entre mim e o homem que comigo bebia um café numa bomba de gasolina junto a Flaggstaff, no Arizona, havia a crença comum de que a liberdade não era apenas aquela de que cada um de nós gozava, mas também a de que os outros, quaisquer outros, podiam gozar: a minha liberdade só existe enquanto existir a liberdade do outro. Hoje, seguramente que entre mim e o americano anónimo de Flaggstaff existem muito poucos valores comuns. Ele mudou os dele, eu não faço tenções de mudar os meus. Apenas, e embora seja parte ilegítima na matéria, anseio pelo dia em que a América volte a ser a pátria da liberdade. Porque tenho saudades de Flaggstaff.
Monday, November 01, 2004
Ranking de Escolas: o Charme Discreto da Iliteracia Por ANA BELA SILVA*
Público
Segunda-feira, 01 de Novembro de 2004
Tomando como ponto de partida médias de resultados em exames nacionais do 12º ano, o ranking visa seriar objectivamente as escolas secundárias (da melhor à pior) e apurar a excelência. Ora o modelo está longe de ser pacífico...
Num deslumbramento típico de recém-chegados à literacia aritmética, cai-se no erro primário de julgar que os números falam por si e arrumam a realidade (a escola) em categorias naturalmente transparentes... Ora uma média não é um dado neutro, mas um indicador construído que sintetiza uma tendência central, resultado de operações (sempre discutíveis) de escolha. Faz parte das regras do jogo (científico) discutir a adequação dos instrumentos de medida àquilo que se quer medir, às características dos contextos em que se vão aplicar. A construção de rankings assenta implicitamente em pressupostos de partida, e nele espelham-se não só dimensões da escola-objecto-avaliado como pontos de vista dos autores-sujeitos-avaliadores...
A simplicidade a que se reduz o retrato da situação educativa portuguesa, a partir do ranking, contrasta com uma realidade escolar diversa e multifacetada. O ranking aplana a heterogeneidade da população escolar, mais valia típica das escolas públicas que acolhem alunos com bagagens, trajectórias ou ambições escolares diversas - sinais de tempos diferentes. Da pré-modernidade: saídas e abandonos precoces, ingresso prematuro no mercado de trabalho, alunos "a tempo parcial", contextos familiares pouco escolarizados. E da modernidade: alunos "a tempo inteiro", famílias escolarizadas e mobilizadas para o sucesso escolar dos filhos. Ao lado de nichos de jovens com aspirações académicas, lutando por notas máximas, surgem contingentes numerosos que abandonam o sistema após o secundário, ingressando no mercado de emprego, e para quem os exames servem apenas para concluir o 12º ano. Às fileiras da "via de ensino" juntam-se as "fileiras tecnológicas", viradas para o desempenho prático de uma profissão. Uns alunos como outros fazem, dando-lhes sentidos diferentes, os mesmos exames nacionais - mas a diversidade dos trajectos "alternativos" só conta, como um incómodo (baixando médias), na feitura do ranking. Por isso se questiona a legitimidade de uma avaliação descontextualizada e que parece apostada em comparar o incomparável.
O avesso dos rankings
O cálculo da média implica um cuidado particular com a diversidade interna do universo que pretende caracterizar. Sendo muito heterogéneo, revela-se um indicador pobre e inadequado. Exemplo: que significa exactamente o facto dos 50 alunos de uma escola obterem uma média de 8 valores no exame de matemática?...cada um deles obteve 8 valores? 25 ficaram no 0, 25 nos 16 valores? Ou cinco tiraram 20 e quarenta e cinco 6,7?... A diversidade que a média pode esconder é um dos maiores obstáculos à sua utilização indiscriminada.
Privilegia-se, para a seriação final, um curioso indicador-síntese: a média de todos os resultados de um leque de provas variadas. Porém, nem todas as escolas entram na ordenação com os mesmos exames - o que em disciplinas de baixas médias (matemática, física ou química) tem um óbvio efeito (negativo) no resultado final. Cozinhada a partir de um cabaz de disciplinas tão díspares, qual o seu significado? Como se interpreta em si mesma, solta de indicadores cúmplices, outra face da mesma moeda? Eis dois: o nº de alunos que vão a exame, por disciplina - falamos de 4, 13, 58, ou 201 provas?..; o nº de alunos que, em cada escola, "ficou pelo caminho" entre o momento de entrada no secundário (10º ano), no início do 12º ano, e os alunos internos que chegam ao exame - ou não se quer perceber que a média das notas sobe (e com ela a posição no ranking) se se aumentam os crivos selectivos nos anos anteriores e se a escola escolher a dedo os alunos que quer levar a prestar provas?
As notas nos exames nacionais têm um peso relativo no desenho final do diploma escolar - 30% na nota final da disciplina no 12º ano; 50% na composição da nota de candidatura ao ensino superior. A parcialidade da ordenação construída com base neste indicador é evidente. E remete-nos para outra dimensão. Os alunos não são marionetas passivas do sistema de ensino; podem usar competentemente as regras do jogo e gerir, em benefício próprio e num ano difícil como o 12º, as diversas cartas do seu baralho escolar - ora para entrar no ensino superior, ora simplesmente para concluir o secundário. As notas do exame não assumem, portanto, a mesma importância em todas as disciplinas. Um exemplo. Um aluno do Agrupamento I que queira ingressar num curso de engenharia informática (específica: matemática) e possua uma média confortável do secundário, pode simplesmente desinvestir do estudo para alguns exames (ex: Química, Biologia); a nota que neles obtiver (0 ou 20) em nada afectará a sua nota da candidatura ao ensino superior. Sobre nenhum destes processos se fala ao falar do ranking das escolas...
O que o ranking faz
A divulgação do ranking tem reforçado a visão apocalíptica da escola portuguesa actual, retrato que contrasta com o de um passado idílico, paraíso perdido onde os professores verdadeiramente exigiam e ensinavam - e os alunos aprendiam.
Argumentos frágeis não suportam um debate sério sobre o sistema de ensino actual. Os níveis de analfabetismo literal, os dados estatísticos sobre a "reprovação" ou os limitados níveis de "conclusões" face a "matriculados", que o sistema português ostentou ao longo de décadas, da primária à universidade, mostram que a realidade do passado não é aquela que hoje se recorda. E permitem reconstituir, com rigor, a memória da escola que tínhamos. A excelência escolar de muito poucos, a exclusão total ou parcial da maioria.
"Trabalhar para o ranking" pode tornar-se um novo e perverso objectivo pedagógico das escolas: selecção subtil dos alunos que entram no 10º ano; não oferta de cursos do ensino tecnológico, onde estatisticamente se concentram os piores resultados académicos; limitação criteriosa de disciplinas de opção problemáticas, em termos dos resultados nos exames; encorajamento à reorientação de curso ou opção, à própria auto-exclusão dos alunos com maiores dificuldades escolares; acentuação de retenções no 10º ou 11º ano como forma de "selecção natural" dos melhores à frequência do 12º ano. Todas estas práticas são expedientes "fáceis" para diminuir os riscos da má prestação da escola - dos seus alunos - no ranking.
Paradoxalmente, penaliza-se o empenhamento contínuo e exigente, mas invisível, de professores que se esforçam estoicamente por agarrar à escola os alunos que têm, que não escolheram, oferecendo-lhes, através dela, um projecto de vida. Apesar de prestações modestas nos exames nacionais. Às dificílimas condições que envolvem esse trabalho junta-se agora o estigma penalizador do ranking. O esforço decididamente não compensa!
Pensar o sistema educativo exige a avaliação das escolas. E não dispensa a sua divulgação pública - cuidada, metodologicamente consistente e atenta à riqueza plural dos contextos escolares. Caso contrário, converte-se num lamentável ritual de execução sumária de escolas. Será legítimo perpetuá-lo?
Com Ana Maria Ribeiro, professoras do ensino secundário, Ana Nunes de Almeida, Fernando Tavares e Maria Manuel Vieira, investigadores universitários, e Benedita Melo e José Resende, professores universitários.
Segunda-feira, 01 de Novembro de 2004
Tomando como ponto de partida médias de resultados em exames nacionais do 12º ano, o ranking visa seriar objectivamente as escolas secundárias (da melhor à pior) e apurar a excelência. Ora o modelo está longe de ser pacífico...
Num deslumbramento típico de recém-chegados à literacia aritmética, cai-se no erro primário de julgar que os números falam por si e arrumam a realidade (a escola) em categorias naturalmente transparentes... Ora uma média não é um dado neutro, mas um indicador construído que sintetiza uma tendência central, resultado de operações (sempre discutíveis) de escolha. Faz parte das regras do jogo (científico) discutir a adequação dos instrumentos de medida àquilo que se quer medir, às características dos contextos em que se vão aplicar. A construção de rankings assenta implicitamente em pressupostos de partida, e nele espelham-se não só dimensões da escola-objecto-avaliado como pontos de vista dos autores-sujeitos-avaliadores...
A simplicidade a que se reduz o retrato da situação educativa portuguesa, a partir do ranking, contrasta com uma realidade escolar diversa e multifacetada. O ranking aplana a heterogeneidade da população escolar, mais valia típica das escolas públicas que acolhem alunos com bagagens, trajectórias ou ambições escolares diversas - sinais de tempos diferentes. Da pré-modernidade: saídas e abandonos precoces, ingresso prematuro no mercado de trabalho, alunos "a tempo parcial", contextos familiares pouco escolarizados. E da modernidade: alunos "a tempo inteiro", famílias escolarizadas e mobilizadas para o sucesso escolar dos filhos. Ao lado de nichos de jovens com aspirações académicas, lutando por notas máximas, surgem contingentes numerosos que abandonam o sistema após o secundário, ingressando no mercado de emprego, e para quem os exames servem apenas para concluir o 12º ano. Às fileiras da "via de ensino" juntam-se as "fileiras tecnológicas", viradas para o desempenho prático de uma profissão. Uns alunos como outros fazem, dando-lhes sentidos diferentes, os mesmos exames nacionais - mas a diversidade dos trajectos "alternativos" só conta, como um incómodo (baixando médias), na feitura do ranking. Por isso se questiona a legitimidade de uma avaliação descontextualizada e que parece apostada em comparar o incomparável.
O avesso dos rankings
O cálculo da média implica um cuidado particular com a diversidade interna do universo que pretende caracterizar. Sendo muito heterogéneo, revela-se um indicador pobre e inadequado. Exemplo: que significa exactamente o facto dos 50 alunos de uma escola obterem uma média de 8 valores no exame de matemática?...cada um deles obteve 8 valores? 25 ficaram no 0, 25 nos 16 valores? Ou cinco tiraram 20 e quarenta e cinco 6,7?... A diversidade que a média pode esconder é um dos maiores obstáculos à sua utilização indiscriminada.
Privilegia-se, para a seriação final, um curioso indicador-síntese: a média de todos os resultados de um leque de provas variadas. Porém, nem todas as escolas entram na ordenação com os mesmos exames - o que em disciplinas de baixas médias (matemática, física ou química) tem um óbvio efeito (negativo) no resultado final. Cozinhada a partir de um cabaz de disciplinas tão díspares, qual o seu significado? Como se interpreta em si mesma, solta de indicadores cúmplices, outra face da mesma moeda? Eis dois: o nº de alunos que vão a exame, por disciplina - falamos de 4, 13, 58, ou 201 provas?..; o nº de alunos que, em cada escola, "ficou pelo caminho" entre o momento de entrada no secundário (10º ano), no início do 12º ano, e os alunos internos que chegam ao exame - ou não se quer perceber que a média das notas sobe (e com ela a posição no ranking) se se aumentam os crivos selectivos nos anos anteriores e se a escola escolher a dedo os alunos que quer levar a prestar provas?
As notas nos exames nacionais têm um peso relativo no desenho final do diploma escolar - 30% na nota final da disciplina no 12º ano; 50% na composição da nota de candidatura ao ensino superior. A parcialidade da ordenação construída com base neste indicador é evidente. E remete-nos para outra dimensão. Os alunos não são marionetas passivas do sistema de ensino; podem usar competentemente as regras do jogo e gerir, em benefício próprio e num ano difícil como o 12º, as diversas cartas do seu baralho escolar - ora para entrar no ensino superior, ora simplesmente para concluir o secundário. As notas do exame não assumem, portanto, a mesma importância em todas as disciplinas. Um exemplo. Um aluno do Agrupamento I que queira ingressar num curso de engenharia informática (específica: matemática) e possua uma média confortável do secundário, pode simplesmente desinvestir do estudo para alguns exames (ex: Química, Biologia); a nota que neles obtiver (0 ou 20) em nada afectará a sua nota da candidatura ao ensino superior. Sobre nenhum destes processos se fala ao falar do ranking das escolas...
O que o ranking faz
A divulgação do ranking tem reforçado a visão apocalíptica da escola portuguesa actual, retrato que contrasta com o de um passado idílico, paraíso perdido onde os professores verdadeiramente exigiam e ensinavam - e os alunos aprendiam.
Argumentos frágeis não suportam um debate sério sobre o sistema de ensino actual. Os níveis de analfabetismo literal, os dados estatísticos sobre a "reprovação" ou os limitados níveis de "conclusões" face a "matriculados", que o sistema português ostentou ao longo de décadas, da primária à universidade, mostram que a realidade do passado não é aquela que hoje se recorda. E permitem reconstituir, com rigor, a memória da escola que tínhamos. A excelência escolar de muito poucos, a exclusão total ou parcial da maioria.
"Trabalhar para o ranking" pode tornar-se um novo e perverso objectivo pedagógico das escolas: selecção subtil dos alunos que entram no 10º ano; não oferta de cursos do ensino tecnológico, onde estatisticamente se concentram os piores resultados académicos; limitação criteriosa de disciplinas de opção problemáticas, em termos dos resultados nos exames; encorajamento à reorientação de curso ou opção, à própria auto-exclusão dos alunos com maiores dificuldades escolares; acentuação de retenções no 10º ou 11º ano como forma de "selecção natural" dos melhores à frequência do 12º ano. Todas estas práticas são expedientes "fáceis" para diminuir os riscos da má prestação da escola - dos seus alunos - no ranking.
Paradoxalmente, penaliza-se o empenhamento contínuo e exigente, mas invisível, de professores que se esforçam estoicamente por agarrar à escola os alunos que têm, que não escolheram, oferecendo-lhes, através dela, um projecto de vida. Apesar de prestações modestas nos exames nacionais. Às dificílimas condições que envolvem esse trabalho junta-se agora o estigma penalizador do ranking. O esforço decididamente não compensa!
Pensar o sistema educativo exige a avaliação das escolas. E não dispensa a sua divulgação pública - cuidada, metodologicamente consistente e atenta à riqueza plural dos contextos escolares. Caso contrário, converte-se num lamentável ritual de execução sumária de escolas. Será legítimo perpetuá-lo?
Com Ana Maria Ribeiro, professoras do ensino secundário, Ana Nunes de Almeida, Fernando Tavares e Maria Manuel Vieira, investigadores universitários, e Benedita Melo e José Resende, professores universitários.
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