Saturday, September 27, 2008

Em defesa do Magalhães

Em defesa do Magalhães

Manuel Carvalho - 20080927 Público

Pondo de parte a encenação que visa projectar a gloriosa missão modernizadora do Governo, nada justifica uma crítica rotunda ao programa e-escolinhasOs spin-doctors que fazem a assessoria de imagem do primeiro-ministro e o próprio José Sócrates já tiveram tempo e oportunidades de perceber que as megaoperações mediáticas encenadas para promover as suas medidas só servem para embrulhar a realidade num véu de propaganda e desconfiança. Foi isso que aconteceu em finais de Julho, quando um regimento de 18 ministros e secretários de Estado se dividiram pelo país a entregar computadores a alunos do secundário. Aconteceu de novo esta semana, com a entrega dos primeiros computadores Magalhães a crianças do ensino básico. Uma medida louvável, porque permitirá a milhares de crianças ter acesso mais facilitado ao mundo da informática, acabou por ser dizimada pela ostentação cerimonial da entrega do Magalhães. Em vez de computadores, de educação ou da equidade no acesso a bens essenciais, foram as legítimas suspeitas de que a real motivação do Governo é a propaganda e não a info-inclusão que dominaram os debates.
E tudo isto se explica não tanto pelo hipercriticismo no qual o país é pródigo, mas porque o Governo não se revê nas estratégias dos pequenos passos e mede qualquer uma das suas medidas como a prova do insuperável sucesso do país a caminho da vanguarda tecnológica. Assim sendo, é natural que se discuta a vaidade, a fronteira entre a mentira e a verdade, o limite da propaganda e da informação, o que é ambição legítima ou devaneio de sonhador. Mas é também fundamental que se reflicta e se avalie a natureza própria do programa. É, ou não, razoável que o Governo se empenhe em garantir a posse de um computador portátil a 500 mil crianças? Que garantias há de que esse instrumento pedagógico será bem utilizado? Que perigos há de que as dádivas sejam, em alguns casos, rapidamente vendidas a pataco no mercado negro? Que condições têm as escolas e que formação específica têm os professores para promover o seu uso? Vai ou não haver ajustamentos pedagógicos de modo a que, por exemplo, os trabalhos de casa passem a ser feitos no computador? São, afinal, perguntas que se deveriam centrar na questão essencial para o país, que é a de saber até que ponto a entrega do Magalhães contribuirá para que as gerações mais jovens consigam estar mais bem preparadas para as exigências do mundo contemporâneo.

Pondo de parte a encenação que visa projectar a gloriosa missão modernizadora do Governo, nada justifica uma crítica rotunda ao programa e-escolinhas. Mais importante do que a história do "primeiro portátil português", como o designou José Sócrates, ou da duvidosa informação sobre a incorporação de tecnologia portuguesa no Magalhães é o facto de se terem criado condições para que milhares de crianças portuguesas tenham acesso a um computador. Muito mais significativo é o facto de, com o Magalhães, aquilo que já é familiar no quotidiano das crianças de famílias de rendimentos médios, poder passar também a poder ser parte das vivências das crianças de famílias pobres, mesmo as que não dispõem de rendimentos suficientes para pagar as ligações à Internet.
Era sobre isto que se devia reflectir, com maior ou menor dose de crítica e de cepticismo. E só não se foi por aí porque a concepção majestática do Governo sobre as suas acções o impediu. Com tanto ruído, tantos ministros e tantas meias-verdades sobre o que é de facto o Magalhães, o país acabou por se concentrar no embrulho mediático e esquecer o que está lá dentro. Parece difícil acreditar que José Sócrates e os seus assessores aprendam a lição e percebam que não é o aparato que valida as boas ideias e os bons programas. Mas descontando esta antipática característica da governação, convém separar as águas e reconhecer que a entrega do Magalhães é uma boa notícia para as famílias de menores rendimentos e, por consequência, para o país.

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