José Morgado, Público 26 de Maio de 2008
De uns tempos a esta parte têm sido recorrentes
na opinião publicada as referências às ideias
ou saberes dos psicólogos e da psicologia sobre
as mais variadas questões, designadamente,
as que envolvem processos educativos. Estas
referências, quase sempre de teor negativo são, na minha
opinião, fruto de alguns equívocos que me proponho
abordar. Devo começar por um registo de interesses: sou
psicólogo na área da educação, com formação graduada
e pós-graduada (mestrado e doutoramento) nesta área.
Parece-me também importante sublinhar de início que,
frequentemente, sobre matérias ligadas aos processos
educativos, a comunicação social procura ouvir alguém
da psicologia sem cuidar de saber qual a área científi ca do
“opinante”, o que já me aconteceu. Por despudor deontológico
e numa falha de ética científi ca, alguns colegas,
sem a preparação adequada, não se inibem de opinar e
veiculam, naturalmente, banalidades ou incorrecções.
Seria assim como que recorrer à opinião de um dermatologista
sobre um problema de ortopedia. É certo que,
sendo também médico, não terá, obviamente, mais do que
uma opinião, sendo que se procura, creio, algum saber que
ajude a interpretar a realidade e não uma mera opinião.
Como é de calcular, esta atitude de alguns colegas
parece-me um mau serviço prestado à profi ssão
e à sua representação social e contributiva para
promover os equívocos que me proponho abordar
de forma simples e sem utilizar qualquer
critério de ordenação.
Equívoco 1 – “Não se pode contrariar as crianças.” O
adequado desenvolvimento das crianças, em qualquer
idade, exige a defi nição de regras e limites claros. Não se
trata de uma moda ou de uma opção. A criança aprende
a gerir e a respeitar essas regras e limites, bem como,
naturalmente, a lidar com a eventual frustração advinda
de ser contrariada. Sublinho pois a imprescindibilidade
de, em muitas circunstâncias, ser necessário contrariar
as crianças e isso constituir a melhor ajuda que se lhes
pode proporcionar.
Equívoco 2 – “As crianças têm sempre razão.” Não, defi nitivamente
as crianças não têm sempre razão. É bem diferente
afi rmar que haverá sempre uma razão para determinada
atitude ou comportamento de uma criança do que sustentar
que, conhecendo-se as razões, todos os comportamentos
merecem aceitação. É interessante que as crianças mesmo
pequenas sabem que, às vezes, “não têm razão” e, também
por isso, deve dizer-se que não se aceita determinado comportamento
ou atitude. Parece-me claro.
Equívoco 3 – “As crianças são sempre boazinhas.” Não
as crianças não são sempre boazinhas. Não é útil para ninguém,
a começar pela criança, a representação idealizada
dos mais pequenos. Por vezes são mauzinhos, magoamse
e torna-se, mais uma vez, necessário que percebam
claramente o que é, ou não, adequado, e isso decorre, de
novo, de regras e limites claramente defi nidos.
Equívoco 4 – “Não se pode dizer às crianças que erraram,
por que se traumatizam.” Não, o que traumatiza as
crianças, para manter o termo, apesar de pouco ajustado,
é deixar instalar a ideia de que tudo o que fazem está
certo, ou, pelo contrário, tudo o que fazem está errado. A
criança precisa de uma acção por parte do adulto que seja
reguladora do seu funcionamento e isso passa por referir
os erros, mas também por sublinhar os sucessos.
Equívoco 5 – “As crianças podem fazer o que querem,
trata-se de experiências.” Não, as crianças não podem
fazer o que querem, mesmo a título experimental. Sabemos
todos que também aprendemos experimentando e
errando, ou seja, aprende-se fazendo. Isto não tem de
todo a ver com a aceitação de que a criança pode assumir
qualquer comportamento ou atitude, porque está a experimentar.
Existem, obviamente, muitos comportamentos
que as crianças não podem ter, nem à experiência, e voltamos
à imprescindibilidade das regras e limites.
Equívoco 6 – “Não se pode castigar as crianças.” Podemos
ter todas as discussões sobre o que é um castigo,
como se administram (ou não) os castigos, a sua efi cácia,
etc. O que me parece essencial é que as crianças percebam
que os seus comportamentos adequados podem
merecer elogios ou prémios, assim como perceber que
os comportamentos inadequados podem implicar alguma
forma de sanção. Não vale a pena a retórica sobre isto, as
relações e comportamentos nas sociedades actuais estão
relativizadas face às suas consequências positivas ou negativas.
Em todo o caso parece mais efi caz reforçar o que
de bom é feito do que apenas punir o que de menos bom
é realizado pela criança.
Equívoco 7 – “A autoridade não é boa para as crianças.”
Mais uma vez, sublinho, a criança precisa de modelos
de autoridade. Não se trata de moda ou opinião
científi ca, trata-se de necessidade. A percepção dos
modelos de autoridade funciona como regulador da
actividade social das crianças. É bem conhecido o efeito
negativo da ausência na vida das crianças de modelos
de autoridade que têm ainda o importantíssimo efeito de
lhes transmitir segurança, algo de fundamental ao seu
desenvolvimento. O que nesta matéria pode, e deve, ser
discutido é forma como deve ser exercida a autoridade,
não, repito, a sua necessidade.
Mais alguns equívocos poderiam ser objecto
de refl exão, mas há que ser económico.
Queria ainda sublinhar que todos os grupos
profi ssionais estão ao abrigo de padrões
éticos e deontológicos. Esta circunstância
deveria inibir-nos de, principalmente em intervenções
públicas, tecer comentários ligeiros, valorativos
ou desvalorativos sobre outros grupos
profi ssionais. Há pouco tempo, um conhecido
advogado e opinion maker referia-se
num artigo de opinião no PÚBLICO às, cito,
“tontices dos psicólogos”. Por respeito à
identidade científi ca e profi ssional de uma
classe, eu nunca me atreveria a referir-me
aos disparates dos advogados.
Psicólogo da
Educação. Professor universitário
Tuesday, May 27, 2008
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