Poucos dias depois do acordo com o Governo, Vasco Teixeira acusa Maria de Lurdes Rodrigues de ser o principal problema da Educação
Vasco Teixeira sabe o que quer dizer. As duras críticas que faz à actuação da ministra da Educação não são resultado de um momento irreflectido ou desabafos que uma discussão acesa pode provocar. "São tudo coisas que diria cara a cara com a ministra", assume. O coordenador da comissão do livro escolar da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros pensou sobre o actual cenário da educação em Portugal e resolveu "colocar agora o dedo na ferida". "O principal problema da Educação no país é a ministra", conclui Vasco Teixeira, ao declarar total falhanço à execução de uma série de "boas políticas". Mas o representante daquela que ainda é a maior editora escolar, a Porto Editora, reconhece a inteligência e coragem de Maria de Lurdes Rodrigues.
Após a divulgação do aumento do preço dos manuais escolares, o secretário de Estado da Educação revelou que as negociações foram muito duras. Esteve-se perto da ruptura?
Foram muito duras mesmo e estivemos perto da ruptura. As associações estavam 100 por cento unidas. Pela primeira vez de há seis anos para cá o Governo teve uma frente unida. Factualmente, os preços - sobretudo no 1º. ciclo - dos livros estão demasiado baixos. O congelamento dos últimos quatro anos foi um sacrifício que passou a ser insustentável e deixou uma mossa grande.
Fala das alegadas perdas na ordem dos 20 por cento...
Cerca de 20 por cento. Nos últimos quatro anos, à excepção da Porto Editora, todas as outras editoras de livros escolares ou faliram ou mudaram de mãos. É sintomático.
As movimentações no mercado das editoras devem-se apenas ao congelamento dos preços?
A isso e à percepção que os editores tiveram que a ministra queria acabar com as editoras escolares
Queria?
Ainda não sei qual é a margem de manobra que quer dar às editoras escolares... mas houve aqui uma altura que não tivemos dúvidas que estava em causa o fim das editoras escolares. Esta ministra tem aversão ao negócio e, por isso, acha que os editores são empresas que lucram com um negócio que não devia dar lucro: a educação. Só não nacionaliza esta actividade porque não pode. Mas gostaria de o fazer. É muito próprio de uma esquerda quase radical...
O Governo é acusado de ser uma esquerda demasiado à direita...
Na educação, não. Acredito que ela queria nacionalizar a edição do livro escolar. Queria cercear fortemente a actuação dos editores escolares. Desde o início que a ministra falou em adoptar dois ou três livros, limitar o número de títulos. Na primeira versão do projecto de lei o Ministério da Educação (ME) arrogava-se o direito de certificar vários livros, mas recomendar um livro de adopção. Repare na desconfiança e paternalismo para com os professores! Está quase no livro único, é só não ter coragem de o assumir. Depois esbateu-se.
Os editores gerem um negócio e querem lucro...
Esse é um princípio. Como dizia um colega nosso ao secretário de Estado há umas semanas, "eu só faço os livros que me derem lucro, os outros tem de ser o senhor a fazer". É legítimo que seja assim. Não somos instituições de caridade e, se não formos rentáveis, ou fechamos ou ficamos a dever dinheiro...
Recentemente, o ME cedeu aos editores. Não é inoportuno surgir com estas críticas? Porquê agora?
A imagem de cedência foi dada pelo Governo. Nós não sentimos nenhum sabor de vitória. Antes pelo contrário. O Governo cedeu onde era mais fácil, onde era inevitável e onde porventura seria quase ridículo não ceder.
Mas não teme que estas críticas piorem a relação com o ME?
A relação neste momento não é má. Tenho imensa pena... acho que esta ministra podia ficar para a História de Portugal. Porque teve coragem, pôs o dedo na ferida numa série de problemas. Aliás, toda a gente nos primeiros dez meses a apoiou. Em todas as medidas, mesmo as mais difíceis. Desde o Presidente da República, eu diria que quase até a oposição, aos comentadores, até muitos professores em surdina a apoiavam contra as posições do sindicato. A ministra teve tudo para ter sucesso: o apoio do primeiro--ministro, a inteligência para verificar onde havia problemas, a coragem política para introduzir reformas. Mas fez tudo da pior maneira porque não tem confiança nas pessoas nem nas instituições. Faz tudo de uma forma centralizada, sozinha. Acho que vai acabar o mandato angustiada e só. A ver as medidas a não resultar. Tem uma visão demasiado desconfiada e centralizadora que faz com que transforme boas ideias em más políticas e más políticas em péssimas concretizações.
Reconhece-lhe inteligência e coragem política...
O que a ministra pretende é que haja mais alunos com sucesso no [ensino] secundário. Subscrevo essas medidas, mas não posso aceitar que os editores sejam marginalizados nesse processo. E a maneira como trata os editores é a mesma que usa para tratar os professores, confundindo-os com os sindicatos, desconfiando deles. Trata-os como pessoas que não são pessoas de bem e depois espera que as coisas resultem... Não podem resultar.
O que pode acontecer?
Os resultados com as aprendizagens dos alunos vão piorar. O funcionamento de todo o sistema está pior do que antes.
O principal problema da educação em Portugal, na sua opinião, é a ministra?
Claramente. Ela não consegue construir com os professores e os agentes educativos.
Deve demitir-se?
Não. Deve assumir a responsabilidade pelas suas medidas. Até porque o Governo não vai mudar durante a presidência europeia. Depois teremos mais um ano e meio até às próximas eleições. Vamos então ver se a ministra terá capacidade para corrigir uma série de problemas que as suas medidas não conseguiram resolver ou se vai deixar para quem vier a seguir.
Em qual desses cenários aposta?
Os alunos e o país merecem que os problemas se resolvam mais cedo. Uma das razões pelas quais dou esta entrevista crítica nesta altura em que assinei um acordo com o ME é um pouco para contribuir para esse salto. E se esse salto não acontecer, eu, pelo menos, tenho a consciência tranquila. Pus o dedo na ferida. Há muita gente - a maior parte dos editores, professores, pais e alunos - a querer colaborar na melhoria do sistema. A desconfiança e o centralismo impede-a de construir com as pessoas. Tem dois anos pela frente em que pode corrigir muita coisa se quiser. Se não quiser, eu ficarei a rezar para que o primeiro-ministro a substitua.
Pequeno destaque em caixa com fundo que tambem pode servir de legenda para a fotografia do lado esquerdo
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