Saturday, September 08, 2007

Em 2001 o então ministro José Sócrates sonhou com uma lei inexistente. E escreveu uma carta a um jornalista do PÚBLICO

Em 2001 o então ministro José Sócrates sonhou com uma lei inexistente. E escreveu uma carta a um jornalista do PÚBLICO

Publico, 7 Set 2007

O sonho de Sócrates que se tornou realidade
Em Novembro de 2001, o então ministro do Ambiente,
José Sócrates, sonhou com uma lei inexistente.
E ao chegar ao seu gabinete escreveu
uma carta a um jornalista do PÚBLICO. Queria
avisá-lo de que a “invocação pública” de uma
escuta telefónica feita pela Judiciária a uma conversa em
que ele intervinha “constitui a prática de um crime”. A
advertência, feita com o intuito de travar a publicação de
uma notícia referente a essa escuta, não tinha qualquer
fundamento legal. Na semana passada, porém, o sonho
de José Sócrates tornou-se realidade.
Revelar o teor de uma escuta telefónica constante de
um processo judicial que não se encontrava em segredo
de justiça não era crime em 2001. Nem ninguém sonhava
que o viesse a ser, a não ser Sócrates e, eventualmente, alguns
dos que o acompanham na presente cruzada contra
a liberdade de informação. Mas a declaração de guerra
do actual primeiro-ministro àquilo que os seus acólitos
denominam de “jornalismo de sarjeta” já tinha sido feita
nas páginas do PÚBLICO.
Numa carta publicada neste jornal em 1 de Março de
2001, Sócrates perorava sobre ética e deontologia dos jornalistas
e anunciava o que aí vinha: “Parece que é tempo
de começar a combater as éticas de plástico que outros
agora sustentam [referindo-se a alguns jornalistas], por
mais politicamente incorrecto que isso possa ser.”
Meses depois, quando o PÚBLICO o confrontou com a
escuta telefónica em que dava instrucções a um empresário
seu amigo sobre o que devia fazer para interferir no
resultado de um concurso público, Sócrates desejou tanto
que os seus sonhos fossem realidade que não se coibiu de
qualifi car como crime aquilo que nunca o fora. A conversa
tinha sido gravada anos antes, quando ele era deputado, e
resumia-se a uma recomendação para que o empresário
contactasse, e posteriormente recompensasse, um seu
colaborador do aparelho socialista da Covilhã. A este,
que era assessor do presidente da câmara local e a quem
Sócrates telefonaria entretanto, caberia fazer o possível
para resolver o problema do concurso.
A imagem que sobressaía dessa conversa, gravada porque
o empresário em causa estava a ser alvo de uma investigação
judicial, era a de um deputado que se prestava a
usar a sua infl uência para favorecer um amigo (por acaso
fi nanciador do PS) no quadro de um concurso público. E
esta era, independentemente do seu interesse público e da
legalidade indiscutível da divulgação da conversa, a última
coisa que José Sócrates quereria que dele dissessem.
Naturalmente que o PÚBLICO não se deixou intimidar
com a invocação de uma falsa proibição legal. Nem tãopouco
com a solene comunicação com que o ministro
do Ambiente terminava a sua carta: “Informo-o que recorrerei
a todos os meios judiciais ao meu alcance para
defesa da minha honorabilidade e da reserva da minha
vida privada.”
Publicada a notícia em Janeiro de 2002, Sócrates escreveu
ao director do PÚBLICO afi rmando que o texto
não passava de “especulações delirantes e insinuações
falsas e injuriosas”. E acabava declarando: “Porque o
Sr. Cerejo [o jornalista] muito bem sabe que cometeu
vários crimes com a publicação destes textos, prestará
contas em tribunal.”
Na verdade, os anos passaram-se e as ameaças, antes
e depois da revelação da conversa, não deram origem a
nenhum processo judicial da iniciativa de José Sócrates.
O agora primeiro-ministro bem sabia que a história do
“crime” era ainda, e tão-só, um sonho seu.
Quem se queixou em tribunal foi Carlos Martins, o assessor
que ele recomendou ao empresário e que era então (e
ainda o é) presidente de uma junta de freguesia da Covilhã.
Alegou que o seu nome tinha sido manchado pelo jornal,
mas, meses depois, desistiu do processo. Presentemente
está colocado no gabinete do primeiro-ministro e é um
dos seus três adjuntos para os assuntos regionais.
A partir da semana passada, José Sócrates já não precisa
de ameaçar jornais e jornalistas com tribunais e com
leis que não existem. Veio tarde, para o caso da Covilhã,
mas veio a tempo para muitos outros casos e para muita
gente que pretende esconder, com o seu direito individual
à privacidade, o direito de todos portugueses à verdade
sobre quem os governa.
José Sócrates está a ganhar a sua guerra contra as liberdades.
As sucessivas leis que tem vindo a fazer publicar
em matéria de comunicação social estão a transformar-se
numa mordaça. A criminalização da divulgação de escutas
telefónicas que não estão em segredo de justiça, aprovada
com os votos favoráveis do PSD, é apenas mais um passo na
concretização do sonho do primeiro-ministro. Jornalista

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