COISAS DA SÁBADO: RETRATOS DE UM SONHO ORWELLIANO
A crença tecnocrática no gadget explica muita coisa, mas mostra ignorância sobre o modo como as tecnologias mudam as sociedades. Este anúncio da Portugal Telecom é um bom exemplo do pesadelo orwelliano que habita as mentes do nosso Primeiro-ministro e dos que com ele estão a conduzir esta operação. Veja-se aquela escola, aqueles meninos, aquele “mundo” que parece saído de um laboratório biológico de nível 5, em que se manipulam vírus perigosos, ou, pior, de uma prisão de alta segurança. Tudo branco, meninos e escola, só a cor azul, uma cor fria, do “Magalhães” se destaca. Vejam-se mais os materiais da escola da ficção cientifica: fórmica, vidro, aço, alumínio, plástico. Vejam-se aqueles meninos asseados e sem classe social, sem identidade, a que só falta colarem um número, um código-barra, meterem-lhes um chip como aos cães, aqueles meninos sem individualidade. Veja-se o mundo perfeito na sua ordem burocrática, tecnocrática e policial, os computadores no meio das mesas, nem mais à direita, nem mais à esquerda, todos com a tampa aberta no mesmo ângulo. O que é que estará naquele ecrã? Não deve ser nada de interessante visto que nem as crianças que não levantam o braço, olham para lá. E veja-se o que não está lá: o professor em primeiro lugar, que se encontra escondido no ponto de fuga da imagem, para onde aquelas crianças de casting na sua impecável limpeza e brancura nem sequer parecem olhar. Depois não há em cima de uma única mesa nem um papel, nem um lápis, nem um livro, há o “Magalhães”.
Espero bem que nunca haja uma escola do ensino básico assim. Este mundo asséptico é a completa negação do que deve ser o ensino básico, para crianças para quem a cor, a luz, o som, o movimento, são o elemento básico de uma vida que tem que entrar com elas dentro da escola. Neste mundo PT - Sócrates, o elemento essencial do sucesso pedagógico aparece como sendo o computador, quando é o professor, é a capacidade empática do professor a chave de tudo e é essa realidade, mais difícil de dominar e melhorar, que não se alimenta da crença na instantaneidade do saber pelo acesso aos gadgets.
Aquelas crianças têm que aprender a ler em livros e não no ecrã do computador, por razões que qualquer pessoa que saiba da matéria explicará: não se lê da mesma maneira nos dois sítios. Aquelas crianças têm que aprender a escrever com lápis e papel e não no ecrã do computador ou no SMS do telemóvel, por razões que qualquer pessoa que saiba da matéria explicará: não se escreve da mesma maneira nos dois sítios. Pode-se sempre dizer e bem que é em livros e também no ecrã, é em papel e é no processador de texto. Muito bem, só que a ordem porque aprendem e o modo como interligam as diferentes literacias não é irrelevante. Bem pelo contrário, a não ser que se queira fazer um atestado de óbito à leitura literária por exemplo, ou diminuir ainda mais do que já está a riqueza vocabular da língua, com a concomitante perda de capacidade de comunicação, que se queira eliminar a possibilidade de se saberem fazer contas sem máquinas, por aí adiante.
Aquela escola da PT – Sócrates do reclame é para robots, não é para humanos.
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