“Os EUA deixaram de ser uma República”
Afshin Rattansi* - 14.07.08
Entrevista com Gore Vidal
01/07/08 "Press TV"
Press TV – Diz-se que Michael Mukasey vai ser o último dos Procuradores-Gerais do Presidente a serem citados judicialmente, desta vez sobre conversas com Bush e Cheney – será que isto mostra que o Congresso encara a sério pedir contas ao governo?
Gore Vidal - Não, nunca o Congresso foi tão cobarde, nem tão corrupto. Bush tem apenas que garantir que determinada quantidade de dinheiro siga para determinados congressistas importantes e acaba-se qualquer investigação séria. Um dos mais corajosos membros do Congresso, Denis Kucinich, trouxe o artigo do “impeachment” [impugnação do mandato] para o poço da Câmara dos Representantes. A Câmara dos Representantes deverá então ouvir o presidente e depois disso o assunto seguir para o Senado para decisão. Porém, nenhuma dessas coisas terá lugar porque ninguém, excepto Kucinich, tem coragem para enfrentar um presidente em exercício que é uma espécie de mafioso [sic].
Press TV – Como é que entre tantas centenas de congressistas apenas existe uma pessoa a pretender o impeachment de George W. Bush nessas circunstâncias?
Gore Vidal – Bem, é porque já não temos um país. Já não temos uma república. Ao longo dos últimos 7 ou 8 anos de regime Bush, desfizeram-se do “Bill of Rights” [Carta de Direitos], desfizeram-se do habeas corpus. Desfizeram-se de uma das mais belas prendas que a Inglaterra nos deixou quando se foram embora e deixámos de ser colónia - a Magna Carta do séc. XII. Todas as nossas leis e correspondente processo legislativo se encontram baseados nela. E a gente de Bush desfez-se disso. O presidente e o senhorito Gonzalez que durante uns minutos foi seu Procurador-Geral conseguiram desembaraçar-se de todos os laços constitucionais que fizeram de nós literalmente uma república.
Press TV – Tem escrito frequentemente acerca do estatuto de superpotência dos EUA em termos da história de anteriores superpotências. Acha que estamos a assistir, como alguns sugerem, ao fim do poder dos EUA? Virá a Casa Branca a ser vista como Persépolis?
Gore Vidal – Bem, ruínas tão boas não vai fazer, não. Vai ser mais como o túmulo de Ciro lá próximo. Trataram de destruir os Estados Unidos. Porquê? Porque é gente do petróleo e do gás e porque no essencial são criminosos. Insisto que se trata de um grupo criminoso que tomou controle do país através do que parecia ser uma eleição normal. Mas existem alguns filmes e documentários muito interessantes sobre o que aconteceu em 2000 quando Albert Gore ganhou as eleições para presidente e viram que ele não podia servir. Conseguiram que o Supremo, o Santo dos Santos no nosso sistema, investigasse e depois declarasse os ladrões como absolutamente sérios e os vencedores, Gore e os democratas, de serem eles os batoteiros. A primeira lei de Maquiavel é essa: não interessa os defeitos do adversário, o que interessa é pegar nas suas qualidades e negá-las. Foi o que fizeram quando o senador Kerry se candidatou a presidente há alguns anos. É um famoso herói da guerra do Vietnam, mas disseram que era um cobarde, não um herói. É assim que fazem. Quando se tem um bando de mentirosos tomando conta do governo, não se pode esperar coisa boa dos resultados. Mas mais tarde vamos escavar, escavar… e vamos desenterrar Persépolis.
Press TV – O senador Obama fala de mudança, mas é claro que tem feito a côrte a Wall Street e ao lobby de Israel. Vê alguma hipótese de mudança com ele como presidente?
Gore Vidal – Na verdade, não. Não duvido da sua boa-fé, tal como não duvido da má-fé de Cheney e Bush, pessoas abomináveis como nunca antes tivemos no governo. Jamais teriam ascendido sem compra de eleições, como fizeram na Flórida em 2000 e no estado do Ohio em 2004. São dois descarados ladrões da Presidência. Quando descobri que isto não interessava nem ao New York Times, nem ao Washington Post, nem a nenhuma da imprensa do país, percebi que estamos arrumados. Já não somos um país, somos uma estrutura onde os malfeitores entram para roubar dinheiro. Sabido isso, jamais serão apanhados e vão ser admirados por isso. Os americanos consideram sempre os outros a partir do que estes se afirmam. Se digo “sou um Estado”, eles dizem “sim, sim, ele é um Estado, é fantástico!” E, antes de os cometer, começa-se por acusar os outros dos crimes próprios. É um velho truque conhecido de Maquiavel, que escreveu sobre isso no seu manual “O Príncipe.”
Press TV – Finalmente, a questão que tantos espíritos ocupa no Médio-Oriente e não só. Escreveu sobre tantas guerras imperiais dos Estados Unidos. Pensa que Bush e Cheney vão arriscar outra guerra naquilo que Mohammad ElBaradei da IAEA [Agência Internacional de Energia Atómica] chama uma bola de fogo?
Gore Vidal – Queriam, mas gastaram o dinheiro todo. Meteram-no nas suas próprias empresas privadas, como o vice-presidente e uma empresa chamada Halliburton que rouba mais dinheiro e devia mais tarde ou mais cedo ser julgada perante o Congresso. Mas talvez não, quem sabe? Contudo, é bem conhecido em Washington que esta gente desvia o dinheiro do país. Pronto, acabou-se o dinheiro. Querem uma guerra com o Irão. O Irão não é ameaça maior para nós do que foi o Iraque ou o Afeganistão. Inventaram um inimigo, mentem, mentem, mentem.
O New York Times colabora com as suas mentiras, mentiras, mentiras. E não param. Quando se mente ao público trinta vezes por dia, ele acaba por acreditar nas mentiras, não será assim?
* Jornalista da Press TV, Teerão
Gore Vidal é um conhecido escritor americano
Tradução: Jorge Vasconcelos